segunda-feira, 12 de julho de 2010

[mini-conto] no tempo em que os escritores falavam,por homer t. burgess

NO TEMPO EM QUE OS ESCRITORES FALAVAM,POR HOMER T. BURGESS
Na época em que eu ainda frequentava o circuito de convenções de ficção científica - e isso faz bastante tempo!- sempre havia aquele momento, durante uma palestra, em que um fã se levantava e soltava a velha pergunta: "Homer, de onde você tira suas idéias?"

A resposta? Não sei.  Bem, eu sempre improvisava alguma resposta, mas se alguém estivesse registrando todas as palestras que eu fazia nas convenções , veria que as respostas que eu dava a essa mesma pergunta eram sempre diferentes.
A verdade? Isso é segredo profissional, ora! Cada escritor tem sua resposta e ela é única pra cada um, não pode ser compartilhada.
...nah, tolice! Eis a resposta: isso não importa. Idéias são fáceis, baratas, estão pra todo lado, estão à disposição de quem quiser catá-las.
Quem tem realmente vontade de se tornar um escritor perde o interesse pela questão logo,logo, porque descobre cedo que o que importa é a história,não as idéias.
Mas ainda há aquela *outra* questão, gêmea da primeira, e que nem tantas pessoas fazem e quem faz ,geralmente, já é escritor,não importa se veterano ou novato:
"De onde vem a &*%¨$# do bloqueio de escritor, Homer?"
*Eu* sempre me perguntava isso , mas não mais e vou lhe dizer porquê.
Deixei de frequentar o circuito de convenções em meados do século XXI - eu disse que isso fazia tempo!- porque escritores não eram mais convidados. Produtores de jogos eletrônicos e de cinema e tevê, talvez , mas os atores e atrizes, antes celebridades, também sumiram, substituídos por seus dublês gerados por computador e que dominavam completamente telinhas e telonas.
O mercado editorial implodira porque não se publicava mais nada que não estivesse vinculado a produções hollywoodeanas. Eu e a maioria de meus colegas mantivemos nosso "hobbie" literário e gozamos ainda por muito tempo de nosso status "cult" online, mas tivemos que migrar para os outros ramos do entrenimento para pagar as contas.
Alguns de nós tiveram que vender a alma para sobreviver.
Suponho que eu não tenha do que reclamar. Sempre recebi meus royalties em dia; depois de minha morte, minha família sempre podia contar com esses cheques regulares.
Depois de um século e de um monte de mudanças legais, os direitos sobre meu nome reverteram integralmente para a empresa que publicava minha obra. Nessa época, a indústria editoral estava vivendo um de seus renascimentos cíclicos: usando os programas de inteligência artificial da época, minha editora criou toda uma nova safra de obras em meu velho estilo, usando minha voz literária e meu nome.
São esses mesmos programas que redigiram o prefácio que você lê neste momento.
Hoje, o "bloqueio de escritor" é coisa do passado. Pena que não vivi para ver esse dia chegar, mas você leitor, por outro lado, tem agora em mãos essa farta coletânea de minhas obras póstumas. Posso estar morto, mas ainda tenho orgulho de meu trabalho!
De onde vêm minhas idéias? Bem, hoje em dia, isso não é mais segredo profissional, é segredo comercial, e você vai ter que perguntar aos engenheiros de software *e* aos advogados de  propriedade intelectual  desta editora se quiser ter uma resposta.
;-)

Homer T.Burgess
Noosfera
2168


[escrito para o Concurso de Contos do Mês de Julho, da comunidade orkut Contos Fantásticos ]

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