quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

[miniconto] contagem regressiva:cinco minutos

CONTAGEM REGRESSIVA:CINCO MINUTOS

Então, é assim que tudo termina: com minha voz ecoando na escuridão.

Eu, que dediquei essa vida longa à busca do conhecimento prazer, deixado à míngua, privado de toda sensação e das ferramentas essenciais da Razão, que são os sentidos. A ironia é deliciosa, extasiante... Esse é o gozo derradeiro com que terei de me entreter nesses últimos momentos.

Devo dizer, no entanto, que tal quietude me apraz. Ela é o santuário do Pensamento... que nunca existe desligado da pura essência da Vida... mas que no entanto, no entanto... transcende a existência, ou asim se pensa. E eis-me aqui, afinal.

...ora, devo dizer que a privação torna o pensamento leve e ágil... Quão intrigante. Como a excitação febril que vem com o cansaço... a mente torna-se elétrica e excitável às margens desse mar negro sem fim, esse
leito de sombras, esse sono sem sonhos, talvez.

Deveras intrigante. Eu que dei tudo, vendi até a alma... O que não daria em vida por tal experiência. Por tal conhecimento.

Eis, afinal, uma última nota num compêndio de filosofia natural, um rumor fantasmagórico que confirmo em primeira mão,ainda que seja obrigado a guardar tal conhecimento e levá-lo comigo para o túmulo, ou cova comum, que seja: que o cérebro humano persiste em seu funcionamento por talvez cinco minutos mesmo quando uma cabeça é separada de seu corpo pelo aço frio e ligeiro da guilhotina.

Bem, suponho que tal conhecimento seja inútil para qualquer que não eu mesmo,malgrado qualquer prazer cruel que possa trazer à massa que assistiu a minha execução,digamos, ainda que desconhecesse minha real identidade. Mas,afinal, o que são cinco minutos ? O que são cinco anos, cinco décadas, afinal? Ninguém sabe realmente o quão rápido se escoam seus segundos; o fim pode estar logo ali, pode muito bem nunca chegar.

Eu, Fausto,vivo para sempre, tranquilo guardião desse segredo.

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