[escrito para o Concurso de Agosto da comunorkútica CONTOS FANTÁSTICOS - tema: "Turismo Fantástico"]
Eu
quero ficar
No
fundo do mar
No
jardim do polvo-marinho
Com
você, abraçadinho.
(adaptação
livre da letra original de Richard Starkey)
Querido
diário!
Sei
que já sou bem crescidinha para ter um diário secreto, trancado a
chave e, ainda por cima, com capa estampada de coraçõezinhos
cor-de-rosa (viu só como eu te escolhi bem, diário do meu
coração!), mas,mas mas...!
Mas
eu não caibo (ai meu português!) em mim mesma de tanta alegria:
melhor bancar a bobinha na intimidade do meu quarto de hotel (e do
meu querido diário trancado a chave!) do que trocando fofocas com as
outras meninas ("menina",eu? que desaforo, diário!)!
Essa
excursão é tudo o que eu sonhava e vai ser ainda mais, pode
apostar! Vai valer cada centavo que eu paguei do meu próprio bolso,
vai valer cada hora da viagem sem fim (mas que acabou, ufa) naquele
busão caindo aos pedaços (ainda tou toda dolorida enquanto te
rabisco, diário, caidona na minha caminha cheirando de leve a mofo,
mas, pelo menos, mais macia que aqueles bancos de ônibus vazando
estofo e molas!)... Enfim: estou exausta, mas tão,tão animada!(dá
pra ver, dá pra ver?:-p!)
Porque
ano que vem é o Vestibular, a turma se separa, a vida muda... Credo,
eu sei que não é o fim do mundo, mas, de certa forma, é um fim,
né, diário. Tem coisas que acabam de vez, ano que vem...
Mas
esse ano... Hoje! Hoje, a turma ainda está toda junta , longe de
casa, longe da escola! ... longe dos pais, ri,ri,ri... Perto dessa
praiazinha secreta cheia de promessas: não dá pra ouvir o mar
daqui, mas, ah, essa brisa gostosa depois de um dia inteiro na
estrada, e aquela lua gigante lá em cima..! Pena que ninguém se
anima a fazer luau , aaah!...
Hoje,
meu diário! Hoje, este ano ( neste feriadão prolongado ! ) eu ainda
faço parte da classe do Tomás. E advinha só quem também veio na
excursão, hein, hein? Seu bobo!
E
amanhã...Amanhã, quem sabe, hein! Amanhã o mundo começa de novo,
todo mundo descançado e fresquinho, todo mundo pronto pra praia,
luau... e sabe lá Deus que monte de loucuras, ri, ri!
Tá,
isso, se a Rita e o Afrânio deixarem , e acho que dessa vez a gente
descobre se eles estão mesmo de caso ou não!... Ué, quem sabe :
talvez os dois "teachers" fiquem tão ocupados um com o
outro ( e com essa brisa romântica a beira mar ) que esqueçam de
pagear a gente! Seria o máximo,hein? Fofoca e farra de sobra pra
todo mundo!
Mas
é claro que a gente veio para esse cantinho perdido do paraíso não
só para passear, mas para aprender também... Ré ré ré,até
parece.
Durante
a viagem (ai minhas costas e minha poupança!), o Afrânio parecia
até mais empolgado do que a turma de folga, todo prosa, parecia
menos um professor de História do que um dos "nerds" sem
noção lá do colégio ( coitados, nenhuzinho sequer nessa viagem!ré
ré ), falando sem parar do seu projeto de pesquisa de estimação,
para quem quisesse ouvir...
A
coisa toda parece até legal ...vou ver se presto mais atenção na
próxima vez em que ele repetir tudo ...de novo! ...toda aquela
história doida de "raça de homens-peixe brasileiros" ou
sei lá o quê... E é isso que a gente faz na Faculdade, meu
diário?! Ri ri ri...
Ai,
e ali no ônibus, o Tomás sentado com o Digão logo do outro lado do
corredor, os dois brincando com os outros meninos, falando bobagem
sem parar... É, meu diário, eu consegui prestar atenção em
história nenhuma nessa viagem!
Nossa,
começou a esfriar, vou ali pegar mais uma manta... Não saia daqui,
diário!
***
Nossa!
Parei
um minutinho só para ouvir melhor o vento... você sabe como é a
cabecinha solta da tua dona, meu diário! E a brisa pareceu endoidar
, levei um susto! A Lucinha e a Maura já estão dormindo a sono alto
e a bobona aqui acordada e ouvindo o vento uivando nas frestas das
janelas de madeira dessa pensãozinha metida a hotel de veraneio ...
Mas
então : parei pra ouvir melhor o rugido esquisito desse ventinho
danado... Daí, quando dou por mim, a bobona aqui tinha caído no
sono e acorda quase babando com a cara colada nas suas páginas
abertas, meu pobre diário!
Nossa,
essa história de ouvir o vento... Não, até que não era tão
assustador, mas o som era tão engraçado, esquisito mesmo ...
Parecia música, sabe. Parecia mais um coro de vozes, chamando,
chamando lá longe, vindo lá de ... Sei lá, sabe. Do jeito que ele
gemia debaixo da porta, pelas frestas das janelas... Parecia vir lá
do fundo. Sabe. Do fundo da terra.
Ai
credo. Pensando melhor, é meio assustador mesmo, ainda bem que essa
merda parou – ops, antes de lavar essa boca suja com sabão, apagar
a luz e desmaiar de sono pra valer, mais uma esquisitice:
Enquanto
eu ouvia o tal do vento assustador... não parecia tão assustador na
hora, sabe, parecia até embalar a gente, eu, curtindo essa canseira
acumulada, a agitação passando ... Enfim! Eu ouvia o vento danado
gemendo, e cochilando, cochilando... Olhava a luazona lá fora, além
do vidro sujo da janela trancada... Via direitinho o perfil de uma
árvore (sei lá de que espécie era a tal árvore, seu diário
metido a esperto!)... Cochilava, cochilava e antes de apagar de vez,
eu me lembro de ter pensado: como é que um vento barulhento desse
jeito não está mexendo uma folhinha sequer dos galhos dessa árvore
paradona aí em fora?
Credo!
Beijos e bons sonhos pra você, querido diário! Vou pra caminha
antes que eu comece a ficar zureta de vez de animação *e* de
cansaço - fui!
***
Boa
tarde , seu diário! Voltei , veja só o senhor... Ah, você acha
mesmo que vou esquecê-lo algum dia, seu ( “seu” nada :meu! )
diário?!
E,
nossa, vou te contar ( vou sim, vou sim! ), o dia de hoje foi tão
cansativo quanto ontem (ainda mais que eu não dormi muito bem),
mas, ah, hoje não é dia de reclamação,não senhor!
Ré,
se bem que , do jeito que começou, bem que era para ser : a Rita e o
Afrânio fizeram todo mundo levantar cedinho, veja só o senhor!... E
ainda tem professor que fala da má vontade dos alunos, que
displante!
(mas
o Tomás fica uma gracinha de pijama e chinelo, aquela cara inchada
de sono, coçando aqueles cabelos encaracolados ... ainda mais
en-ca-ra-co-la-dos quando ele acorda despenteado! ... como quem
pensa: "que planeta é esse mesmo?",ri ri ri ri)
O
café da manhã meia boca não ajudou em nada... Quase tudo veio da
cidadezinha mais próxima; dá pra ver que o povo daqui não está
acostumado com turismo *mesmo*. E o Afrânio dizendo que isso é
vantagem, putz!
Isso,
sem falar na *caminhada* até a praia, senhor diário: vinte minutos
a pé por uma estradinha de terra cercada de mato (em pleno século
vinte e um, doutor diário!) , e, acredite ou não: apesar da
distância do mar, senti um cheirinho leve mas desagradável de peixe
fresco do início ao fim da “viagem”, eca!
E
quer saber de uma coisa ? Esse "passeio" valeu toda a
encheção e todo mundo parou de resmungar da falta de sono, dos
insetos, do calor , da estrada... todo mundo calou a boca de vez! ...
todo aquele nosso bando suado e mal-humorado de “aborrescentes”
(afinal, o que é pior: ser chamada de menina ou de
aborrescente?!:-p!) da cidade grande: quando terminamos de subir o
último morro e demos de cara com o (soem as trombetas!) Paraíso na
Terra!
A
"praia" é só a uma lua minguante feita de uma areia
branquinha , mas tão branquinha, que quase cega a gente quando o sol
está alto! E o quase “C” dessa praiazinha branca de lua é uma
“enseada”, sabe: ele envolve o pedacinho de mar mais tranquilo
que eu já vi! Na verdade, um “D” meio apagado, um recife na
saída para o mar, guardando essa lagoazinha, quase, tão brilhante
de azul, tão calma mesmo no vai e vem das ondas …!
Protegida;
é como a gente se sente, meu diário: chegando cansada nesse
cantinho esquecido do mundo, entrando naquela água tão gostosa que
dá vontade de beber!,ri ri...
(xiii...
lá se vai toda a minha poesia de loira burra, senhor doutor
diário... escorrendo feito aquela areiazinha fina e quente na palma
da mão da gente... Nossa, viu só, viu só como tou inspirada ?!)
Os
morros e o “passeio” chato , a distância do hotel , da rodovia ,
do resto mundo ... Parece que tudo isso protege o lugar. Sem falar no
povo que mora ali! Há uma aldeiazinha indígena plantada nessa
filial do Paraíso, sabe. Só um punhado de palhoças, espalhadas na
beira do mato, tão poucas, tão humildezinhas, coitadas, que a gente
até esquece que estão ali. Que a gente até esquece que está
invadindo o quintal dos outros.
O
povo que vive ali é muito, mas muito esquisito mesmo, seu diário.
Quando a gente se aproxima, cumprimenta e tenta puxar conversa, a
gente do lugar só se afasta de cabeça baixa e sem dizer um “ai”,
como se nem vissem a gente, como se lembrassem de repente que
deixaram alguma coisa cozinhando ou alguma torneira aberta... Credo,
e euzinha achando que gente da cidade grande fosse sem educação!
Mas
também pudera, né, seu diário, dê um desconto pra esse pessoal.
Eles têm cara de quem já estava aqui bem antes do tal do Cabral
aparecer, vivendo a mesma vidinha humilde e tranquila de pescador ,
nesse lugar lindo de morrer ...aí aparecem esses turistas enxeridos
fuçando todo canto como que se fossem donos do lugar, vou te dizer,
viu!
Ré,
ainda bem que só tinha mulher e criança na tal aldéia, nenhum
homem pra fazer guerra com os turistas cara-pálidas . Gozado,né? Os
"machos" da tribo devem ter saído pra pescar, caçar,
fumar o cachimbo da paz sossegados, jogar o campeonato regional de
futebol de botão... Vai saber!
É,
era pra gente se sentir mal com toda essa recepção, invadindo e
tomando o espaço daquele pessoal, por mais murrinha que fosse a
mulherada... Mas então vem aquela criançada toda pra salvar o dia e
acabar de vez com o desconforto desse povinho da cidade grande!
Afinal, chegando ao paraíso, a gente tem mais é que receber as
boas-vindas de um comitê de anjinhos, não é mesmo?
Anjinhos
morenos e sapecas feito capetinhas, todos aqueles curumins e cunhatãs
(nenhum deles deve ter mais que sete anos)! As mães, tias, avós
podiam ficar nos observando desconfiadas do fundo das suas malocas,
mas a meninada brincou com a gente a manhã inteira, dividiu com a
gente os quitutes do piquenique beira-de-praia, e toca a brincar de
novo pela tarde afora (eu já te disse que o dia foi cansativo,não
disse?)!
Sabe
o que é engraçado, meu diário? Acho que das crianças eu não ouvi
uma palavrinha sequer em português o dia inteiro! Só as risadas e
os gritinhos alegres, as vozes agudas de passarinho, aquelas carinhas
sorridentes pra todo lado... Aqueles olhinhos tão abertos de espanto
com a gente e de satisfação com cada nova brincadeira ... aqueles
olhinhos. Escurinhos, pretinhos, pretinhos...! Sem fundo,
jabuticabas, pérolas negras ...
Bom,
as mães, sei lá como eram seus olhos, nem dava pra ver direito as
caras. O Afrânio ficou muito sem graça com a falta de modos daquela
gente; cantou os maiores louvores do artesanato local, achou que a
gente ia se entender bem com os "nativos", que a gente ia
,ré, ajudar a aquecer a economia local comprando um monte de
lembrancinhas, mas nem, eles ( elas! ) não queriam saber de trocar
presentes com a turistada.
Mas
vou te contar, meu diário, os elogios do Afrânio foram mais do que
merecidos. Mesmo com as índias brabas bancando os bichos do mato
daquele jeito, eu , a Lucinha e as meninas prestamos muita atenção
nos colares maravilhosos que elas usavam, o único adereço das
coitadas. Mas, que nada: quem precisa se cobrir toda de bijuterias
quando traz no colo aqueles arranjos de pedrinhas coloridas ... e
ninguém sabia direito o que era aquilo, olhando à distância: se
era coral, pedrinhas coloridas ou ossinhos de peixe, conchinhas pra
lá de exóticas ... Mas, ah, nem dá pra explicar, sabe: todos
aqueles colares feitos do mesmíssimo material, e todos diferentes um
do outro, todos únicos! Tão simplesinhos...! Tão , tão
diferentes...
Eram
como presentes únicos para pessoas queridas sem igual. Pois eu lhe
digo uma coisa, seu diário, daqui não saio sem um ou dois desses na
minha bolsa!
Também
não saio daqui sem o Tomás no meu bolso, meu diário bobo!
(
ah, tá estranhando porque não falei mais no Tomás, hein? Ué, o
senhor acha mesmo que eu dividira contigo a imagem do *meu* Tomás de
sunguinha, é?!
E
uma boa noite pro senhor, viu, seu diário safado!)
***
Bom
dia, senhor diário! Desculpa te acordar a essa hora da manhã , mas,
ah, eu tenho que te contar uma história enquanto ela está
fresquinha na minha cabeça (ê noite bem dormida essa , meu
diáriozinho do coração!...soninho gostoso esse, parecia até
embalado pelo mar... parecia até que eu tinha um coro de babás
cantando canções de ninar só para mim!).
Não
ria tá?Vou contar o sonho engraçado que tive noite passada, seu
diário, só pra você parar de me encher o saco!
Tá.
Bem.
Sonhei
que que estava cavalgando um golfinho mar afora, só isso,né.
...tá
bom, tá bom, não é "só isso". Quer dizer, foi, mas
nunca é, né.
Porque
nunca dá pra explicar essas coisas direito. Foi tudo tão bom,tão
gostoso,tão intenso,tão,tão...! Não vou dizer que "parecia
tudo tão real",tá? Porque não era: parecia melhor.
Na
verdade, eu me sinto é triste de pensar a respeito, porque aquilo
deveria ser de verdade e nunca será ,né. Nunquinha.
Meu
"amiguinho"nadava pra todo lado,eu, abraçadinha nele! A
gente pulava, mergulhava, pulava, mergulhava, pulava...!Eu ria sem
parar - quando tinha fôlego!-e ele ria junto, mas não aquela risada
besta de Flipper. Era uma risadinha mais afetuosa, mais inocente...
Ah,
não dá pra explicar mesmo! Pareço uma boba,né?(óóóó!diga que
não pareco, senão você vira rolo de papel higiênico, diário!)
(se
bem que, pensando melhor... Aquilo parecia mesmo, sabe com o quê?
Com as risadinhas de contentamento da meninada linda na enseada do
Paraíso! Ré, gozado, hein...)
Mas
então! Eu e meu amiguinho risonho cavalgamos feito doidos logo à
entrada da enseada, às margens da aldeia...parecia aquela primeira
vez quando eu era pequeninha, andando de moto com papai, na garupa,
apavorada e empolgadíssima, tudo ao mesmo tempo...
Pois
é. Ai, ai.
Tem
isso da tristeza, do melhor sorvete do mundo que de repente acaba e
só sobra a casquinha... mas tem outra coisa também. É quase uma
vergonhazinha de falar a respeito desse sonho, sei lá. Uma
ressaquazinha moral!
Deve
ser porque, no sonho, eu estava nuazinha em pêlo , seu diário bobo!
***
Boa
tarde, meu diário! E, antes de mais nada , deixe eu lhe perguntar
uma coisa: o que é melhor que banho de mar pra turista suado e
mal-humorado da cidade grande, hein, hein, hein?
Banho
de cachoeira, é claro!
Tá
bom, quase, quase. Mas vou lhe dizer uma coisa: depois que eu me
formar (ih, nem sei que faculdade vou fazer, não me apresse, seu
diário, não me apresse!) e for rica e famosa ... e depois de me
casar com o Tomás ! ...ou será depois de ter um monte de filhos e
depois me divorciar do Tomás ?!... Ah, tanto faz: de qualquer
jeito, um dia eu vou me mudar para essas bandas, ah, vou sim senhor!
Aqui
só não há tevê a cabo e cobertura celular, mas, ué: de repente
isso é vantagem. Quem precisa de televisão e de telefone no Jardim
do Éden, ora essa!
Parece
que há um monte dessas cachoeirinhas maravilhosas espalhadas por
esses morros cheios de mato, a que gente “descobriu” (e nem tinha
nome! acho que vamos fazer um concurso para batizar aquela beleza)
foi por uma indicação vaga do dono da pensão. Vaga, mesmo,
custamos a achar o bendito lugar, estou com as pernas todas riscadas
de tanto andar pelo mato, ai! Eu nunca mais faço ecoturismo na
vida...! Mas, ah, eu não engano ninguém, né, meu diário. Não
preciso nem dizer que esse “sacrifício” todo valeu a pena,
preciso?
Se
bem que o passeio teve lá seus sustos, sabe. O bando inteiro tinha
dado uma paradinha para descansar um pouco (e para se orientar
melhor!), então eu , a Lucinha e a Bete avisamos à Rita que iríamos
nos afastar pra, hmm, usar o wc ( seu diário bobão, pára de rir
feito retardado!).
Sabe
como é, né: eu precisei usar o wc mais que as meninas, daí elas
ficaram de vigia enquanto eu estava ali, atrás da moita, fazendo
força (nossa que vergonha!). E eu estava lá tranquila, me limpando
(não ouse me perguntar o que eu usei como papel higiênico,
diário!)... quando eu comecei a prestar atenção num cheirinho
esquisito... não era tão ruim assim (ih, e não era culpa minha,
viu!), era aquele cheiro de peixe pra todo lado, acho, só que não
era mais tão enjoativo, e eu estava lá fungando, tentando descobrir
o que era aquilo... quando ouvi um troço que pensei ser um eco, sei
lá como, mas ouvi bem uma fungada como a minha. Ou pensei ter
ouvido: prestei mais atenção, encucada... até segurei a
respiração... e veio o barulho de novo. Não era só uma fungada:
aquilo se repetiu, forte, fundo. Era como alguém respirando pesado
pela boca....Credo!
Só
sei que sai berrando de trás da moita e corri de volta para o bando
estacionado lá adiante, a Lucinha e a Bete vindo logo atrás sem
entender nada do que estava acontecendo. Custei a recuperar o fôlego,
a Rita custou a me acalmar, penei pra contar a minha história
direito. É, acho que ninguém acreditou muito que havia uma onça ou
bicho do tipo (ou até... um caipira tarado, ai meu Deus!)
espreitando a gente nessa matagual, ou pelo menos, ninguém quis
admitir que acreditava naquilo, mas a caminhada até a bendita
cachoeirinha foi um bocado tensa, eu tremendo que nem gelatina , a
Rita e a Lucinha ao meu lado o tempo todo como duas guarda-costas...!
Nossa
, que vergonha, que vergonha...! Eu nem tinha coragem de olhar para o
Tomás (e até ouvia os meninos rindo de vez em quando... vergonha,
vergooonhaaaa!). Mas, ah, sabe de uma coisa? Dali há pouco, todo
mundo já havia esquecido desse barraco todo, eu mesma já tinha
largado tudo para trás, naquela moita, até parar para escrever isso
aqui .
Porque,
ué: logo quando todo mundo já estava ficando de saco cheio daquele
safari e o Afrânio e a Rita estavam se preparando para enfrentar um
motim de alunos como nunca haviam enfrentado em sala de aula... A
gente começou a ouvir aquele ruído de trovão além do matagual :
que foi nos guiando, foi se aproximando, e com ele o tempo foi
refrescando e, à medida em que o barulho rugia mais alto e o clima
ficava menos quente e irritante, o humor da gente melhorava – e, ó
lá, depois de uma curva na trilha, que dava na beira de um morro:
A
Cachoeira-Sem-Nome, meu diário! Aquela ducha enorme e brilhante que
desaguava numa lagoazinha aos pés de um muro de pedra, aquele braço
de rio que resolvera parar ali mesmo antes de cair no mar, e ali
ficou, na boa, na boa, feito turista folgado como a gente mesmo!...
Ré,
essa ante-sala da enseada do Paraíso é um buraco, mas um buraco com
um lado de pedra molhada faiscante à luz do sol, cortado por aquela
brancura de leite da cachoeira (enfeitado de arco-íris de vez em
quando!) e os outros lados de um verde molhado de vegetação, que a
gente desce até chegar ao fundo fresquinho e mais escuro (e a gente
na verdade não sabe onde fica mesmo o fundo-fundo mesmo disso tudo ;
mesmo com toda molecada prosa e metida a besta, ninguém deu conta ou
teve coragem de mergulhar até o fim daquele poço cada vez mais frio
e escuro onde desaguava a cascata branca).
E
nenhum monstro das trevas pra puxar o meu pé enquanto a gente nadava
estabanada lá em cima, que pena! Ré ré. Não sei se era bem isso o
que o Afrânio tinha em mente quando nos convenceu a visitar esse
lugar esquecido por Deus (Aleluia!), mas só hoje eu fui ouvir
direito as histórias malucas que ele vive contando. Que tudo
começava com um filme de horror classe b chamado O Monstro da Lagoa
Negra.
O
lugar é uma delícia, mas a gente não tinha tanto o que fazer ali
além de jogar água uns nos outros (ai, senti falta da molecada da
aldeia!...), daí a gente passou muito tempo jogando conversa fora na
“praiazinha”, comendo lanche, ouvindo o Jorge repetindo o seu
repertório enjoado no violão... Quase um luau à luz do sol!
Luau
nada! Luau matinê de domingo, isso sim, nenhum clima romântico, o
Tomás e os meninos pareciam estar no recreio, eu me sentia de volta
no primário, meio tímida e bobona, cochichando bobagem com Lucinha
e as meninas Daí que, sem mais o que fazer, fomos lá ouvir o Fessor
Afrânio soltando o verbo sobre sua pesquisa do coração.
Então,
plantei a bunda na areia, do lado da Lucinha,divimos uma latinha de
cerveja meio quente sob o olhar carola de "Dona"Rita - bem,
coitada,né: ela não deve ter nem o dobro da idade da gente, mas
parecia obrigada a agir como se fosse a avó de todo mundo. Ficava
olhando pro 'fessor Afrânio, procurando apoio moral,parecia, mas ele
estava mesmo era curtindo a garotada.
Aliás,
nem sei o que ele tomou, fumou ou cheirou, só sei que era o mais
animado do bando, silenciou e cativou todo mundo (de um jeito que
nunca conseguiu em sala de aula, coitado)... naquela hora, a gente
esquecia que ele era professor de qualquer coisa; e ele tem nome de
sessentão, mas não deve ter nem quarenta ( e, como sussurrou a
Lucinda, "até que dá pra comer",antes de soltar um arroto
quente na minha cara,a vaca! )
Então,
o tal monstro da lagoa. O Afrânio contou a história muito por alto,
esse parecia ser um daqueles filmes trash de antigamente: um bando de
cientistas gringos foi parar na Amazônia procurando seilá o quê,
quando, de repente! Encontram essa espécie desconhecida de
homem-peixe, “fóssil vivo” , que começa a matar todo mundo e
coisa e tal.
Ninguém
mais ali havia visto o tal filme, o Afrânio não se extendeu muito
(o troço teve uma continuação, rá!) mas disse que o “design”
do monstro era clássico, mesmo quem não conhecia a história iria
reconhecer o bicho em qualquer lugar . Ele mesmo disse que o filme
não era grandes coisas , a coisa mais clássica ali ( além da
fantasia de borracha do tal monstro ) era uma sequência de nado
sincronizado entre a criatura e uma personagem... não entendi muito
bem, mas parece que tinha safadeza no meio!
Pro
Afrânio, o que importava mesmo era o que ele descobriu ouvindo a
faixa de comentário do dvd brasileiro : parece que a inspiração do
tal monstro veio de uma história que um dos produtores do filme
havia ouvido, uma lenda sobre um homem-peixe que seduzia mulheres
humanas... Ré, uma lenda brasileira, é claro, e o Afrânio sorriu e
fez um sinal para a Dulce esperar, que ele sabia o que ela ia dizer
quando abriu a boca, e era o que tava na cabeça de tudo mundo que
estava prestando atenção, né (o Fernando tava cochilando, a Clara
tava limpando as unhas do pé, e o bobão do Tomás teve trocando
piadinhas com o Digão, mas, ah, eu adoro aquele besta!...devo ser
mais besta ainda , hein, dr. Diário, me explica isso, só pode!...).
O
Afrânio só sorriu e disse: mas como é que o galã boto-cor-de-rosa
(ahá!) vira assim um monstro asqueroso matador de gente?
A
Rita resolveu entrar na história com uma explicação assim meio sem
força sobre “xenofobia” e “ sublimação” e “esterótipo
da sexualidade tropical” e “homem latino transformado de sedutor
em predador” e o Afrânio ouviu tudo com muita educação até que
a pobre fessora percebeu que ninguém tava entendendo e foi se
calando aos poucos (coitada, ri ri -ó, não ria, diário!).
O
Afrânio retomou calmamente a “linha do seu raciocínio”; disse
que os índios brasileiros não tinham tradição de homens-peixe
sedutores, que aquilo era influência portuguesa – a mãe d'água,
a princípio, não era aquela sereia de água doce, era mais uma
ninfa ou coisa e tal. Mas os brasileiros-brasileiros mesmo!tinha uma
tradição própria de gente-peixe que não era nada bonitinha.
Acho
que ninguém também conhecia os tais dos “Ipupiaras”(ih, acho
que é assim mesmo que se escreve), mas até o Fernando acordou (e o
Tomás e o Digão calaram a boca) quando o Afrânio falou das canoas
viradas, dos índios arrastados pro fundo do mar, abraçados até se
quebrarem todos...de como os monstros pareciam chorar de dor depois
de matarem as vítimas desse jeito... e mesmo assim comendo seus
rostos (e genitálias, eca!)antes de deixarem os corpos nas praias...
Que romântico, hein, seu diário!...
Havia
até uma crônica famosa sobre um senhor de terras na época das
capitanias hereditárias que peitou um Ipupiara num duelo e até
matou o bicho, mas nessa hora o encanto se quebrou, as gozações
voltaram. Afrânio também riu um pouco (e ficou um cadinho mais na
defensiva), disse que estava caçando não o bicho, mas a história,
que era muito engraçado que o boto e o ipupiara tivessem se
misturado na cabeça daquele produtor de Hollywood, que talvez
houvesse algo mais naquela lenda que ele ouviu em primeira mão.
O
Afrânio não estava atrás do pé-grande brasileiro ou do primo
bronzeado do chupacabras, mas queria apenas seguir a lenda até a
fonte, ou juntar os cacos da lenda para tentar reconstruir a história
original. Não duvidava que, se houvesse algum grão de verdade
naquelas histórias, os terríveis Ipupiaras deveriam ser apenas
leões-marinhos, como diziam alguns, ou ariranhas, peixes-boi, algum
outro bicho bizarro e feroz qualquer. O legal não era o monstro: o
legal era a lenda, o modo como as histórias aparecem e mudam, e um
encontro com uma foca furibunda se transforma , quando contado e
recontado, em duelo com um monstro marinho sem igual. Ou em dois
filmes estrelando um sujeito vestindo uma fantasia desajeitada de
homem-peixe.
Como
ele tentou arrematar a história toda: o que importa é a simbologia
da coisa toda. Ré, tá bom, fessor. Se a tal “simbologia” faz a
pele da gente se arrepiar toda desse jeito...
Ele
tinha descoberto aquele canto do paraíso em suas andanças e deu a
sugestão do destino da excursão escolar naqule ano, que o turismo
ainda não havia chegado ali, só Deus sabe por quê (mas, Aleluia!)
. Aquele cantinho esquecido do paraíso estava no meio do caminho
dessa lenda doida; o Afrânio encontrava pedaços da história
subindo e descendo o litoral brasileiro,mas os rastros sumiam ali.
Havia um buraco nas variações regionais do "causo",
faltava um elo que deveria estar ali e que ele não
achava...provavelmente porque o bom povo da aldeia não estava nem um
pouco a fim de papo com gente da cidade grande e Afrânio não tinha
como , nem queria, forçar a barra. O jeito era curtir a praia até
que a gente do lugar perdesse a desconfiança e, se ele conseguisse
um belo bronzeado enquanto esperava, melhor !
Ré,
pobre Rita. Na (looonga) caminhada de volta para o hotel, ela tentou
dar sua contribuição àquela história toda (isso enquanto
espantava os insetos e tentava apanhar fôlego),mas a coisa agora era
um tiquinho confusa, "científica" e, cá entre nós, meu
diário, eu não estava mais prestando atenção direito, com isso de
andar pelo mato vendo aonde pisava, fofocar coma Lucinha e as meninas
(e, é claro, ficar "vigiando" o Tomás fazendo molecagem
com os garotos!).
Alguma
coisa sobre uma teoria evolucionária, lá: "o primata
aquático"! Aliás,tudo muito,muito difícil de engolir, sabe.
Se entendi direito, essa teoria diz que, depois de descerem das
árvores, os ancestrais do homem, meio gente,meio macacos, passaram
uma boa temporada de alguns milhares ou milhões de anos se
escondendo dos predadores no lugar mais seguro à vista... dentro
d'água! Isso mesmo, seu diário, a gente veio do fundo do rio! Não
é à toa que tem tanto cabeça de bagre andando por aí,né.
Tááááá
certo. Dá-lhes ciência, Doutora Fessora Rita! Continue tentando
impressionar o Afrânio desse jeito que um dia, quem sabe, ué!...
Ré,
ré. Que maldade, seu diário ordinário!
Ah
é, antes que eu me esqueça (até parece...). Já lhe contei sobre o
que eu e as meninas fofocávamos tanto, hein, hein?!
É
que hoje a noite tem... lu-UAU!
(a-fi-nal!)
Até
amanhã, meu caro diário.
Bons
sonhos! Ri ri.
***
Ah,
meu diário, meu diário.
Acho
que já está na hora de te deixar para trás,né. Junto com as
bonecas, os bichinhos de pelúcia, todas essas coisas de menina.
Não
sei se preciso mais ficar "conversando" com as páginas de
um diário. Não sei mais se isso basta, se ainda tem graça, não
sei mais nada , não, senhor, sim, senhor...
A
noite começou mal - o luau começou "mau", rá,rá.
Aquilo
era pra ser o luau mais vagabundo do mundo: a lua estava lá, no céu,
esperando, mas quede a praia! De jeito nenhum, disse a encalhada ,
mal-comida da Dona Rita, no meio da noite, andando pelo mato?! Nem
morta! (e o Afrânio não tinha como contrariá-la)
O
“hotel” tinha um quintal grande mas um cado sujo que ficou a
nossa disposição ( somos os únicos hóspedes por aqui, afinal),
então improvisamos uma espécie de churrasco à meia-noite.
Eu
estava tão animada com os preparativos, agitada, distraída com as
meninas...quando dei por mim, olhando em volta, procurando Tomás:lá
estava ele com os meninos, contando prosa,chapando todas. bebiam como
se estivessem no deserto - Rita e Afrânio, sumidos sabe-se lá em
que moita - logo estavam fazendo serenata desafinada pra gente (a
gente fingindo que achava aquela desafinação toda linda... eu não
precisava fingir, que nem estava ouvindo aquela zoeira... era
engraçado, sabe. Eu parecia nas nuvens, não sei).
Eu
estava afobada (admito!) pra puxar conversa com o Tomás logo de
cara, qualquer assunto servia, sei lá:futebol, eleições,
faculdade,eco-turismo, o sexo dos anjos!, mas ele estava com aquele
bafo de pinga fedido, não sei aonde esse povo arranja tanta vontade
pra beber!...
E
logo , antes que as brasas do churrasco meia-boca já tivessem
morrido, todos estavam caídos pelos cantos: Tomás escornado debaixo
de um árvore. fedendo e roncando.
Fiquei
puta, puta. Achei que era melhor eu me embebedar,também. Fui pra
longe da fogueira, de todo mundo, de toda aquela merda, ah, nem sei
aonde a Lucinha tinha se enfiado. Só eu e minha latinha de cerveja e
a lua, chutando a poeira ,ouvindo o vento , ouvindo as ondas...
As
ondas?
É,
as ondas.
Comecei
a ouvir um canto. Como o da outra noite. Só que a voz era uma só,
masculina , mas suave, doce. E então eu tive a sensação mais
engraçada...
Eu
me arrepiei toda...o arrepio virou tremedeira...como se eu estivesse
entrando em convulsão...
Comecei
a me assustar , pensei que estava passando mal, que tinha pego dengue
, malária, sei lá o quê. Pensei que tinham colocado algum negócio
na minha bebida... Insolação, sei lá. Depois me lembrei que eu
mesma tinha catado e aberto a latinha de cerveja, me tranquilizei,
depois? Depois, não me importei mais com nada. Que tudo foi ficando
mais engraçado. Esquisito, mas de um jeito gostoso.
A
cabeça tava leve, agora, leve, leve. os pés também. Comecei a
caminhar,sem ver, já tinha ido longe,solfejando, tentando acompanhar
aquela cantiga,tentando encontrar a fonte.
Não
sei como cheguei àquela caverna. se eu a procurasse hoje, não
encontaria,aposto (é, como voltei pro hotel, também não vou saber
dizer...sonâmbula acordada!não:acho que fui e voltei andando nas
nuvens,mesmo), mas fui parar lá , de algum jeito. Os ecos, o som da
cachoeira; lembro que me virei, e na entrada da caverna eu vi essa
parede branca, a cortina da cachoeira caindo caindo caindo...
O
lugar era lindo, um cado frio...úmido!:havia um brilho engraçado
nas paredes da caverna mas a luz vinha mais forte da água: uma
lagoazinha que brilhava no fundo...parecia cheia de diamantes..lagoa
de diamantes...
foi
então que eu vi o Tomás saindo daquela lagoa de pó de
pirlimpimpim, e ele estava pelado...
Bom,
quando eu vi o Tomás daquele jeito, eu comecei a rir, não porque vi
qualquer coisa de engraçado,mas foi por espanto, encantamento,
mesmo: a pele dele estava brilhando,sabe.como se ele estivesse
salpicado de purpurina dos pés à cabeça.
quando
comecei a rir, ele riu também, e foi um riso tão engraçado, o
dele.tão diferente.
eu
deveria parecer que estava chapada ...eu me sentia chapada, e eu,
careta até alma, não ligava, só ria, ria...
e
o Tomás, peladinho e brilhante, parecia chapado também; depois da
risaiada, parecia apaixonado com minha tatuagem de golfinho,ficava
olhando pra ela um tempão, depois se virou pra mim e abriu o sorriso
mais besta do mundo.
E
quando nós fizemos amor, ele gemeia e sussurrava coisas incríveis
no meu ouvido, coisas que não sou capaz de repetir, lembrar,
entender, e que adorei, faziam todo o sentido do mundo, e ele gemia
mais alto , e eu ria, e gritava, e é bom mesmo quando doía e a dor
logo evaporava e eu mordia seu ombro, abraçava seu corpo com mais
força, puxava seu cabelo pra levantar seu rosto, beijar aquela boca,
olhar bem dentro daqueles imensos olhos negros sem fundo, sem fundo,
sem fundo...
***
Hoje
é o dia seguinte.
Por
que sempre tem que haver um dia seguinte?
Tomás
não fala comigo.
Olha
pra mim como se não me visse.
Será
que ele bebeu tanto assim que não se lembra mais de nada?
Será
que aquilo pra ele não foi nada? Será que é isso?
O
que foi que eu fiz, meu Deus do Céu...
***
filho
da puta
filho
da puta
filho
da puta
filho
da puta
filho
da puta
veado
filho duma puta
***
Merda
de dia.
Dia
de despedida tem sempre que ser assim. Só falta chover, agora.
Tá
todo mundo esquisito, parece mais que o mundo inteiro está de
ressaca(FILHO DA PUTA!).Afrânio some e reaparece feito um
fantasma,parece que tá fugindo de um fantasma, isso sim. A Rita está
uma arara, estúpida, gritando com qualquer um por qualquer besteira.
Lucinha
me chama para irmos à enseada "nos despedir". Não quero
ir mas vou assim mesmo. Quero é estar longe dessa merda toda.
Fico
com vontade de contar a merda toda pra Lucinha, mas não dá, ela não
me dá chance: no meio do caminho , ela para, começa a chorar, diz
que ficou com o Afrânio, diz que acha que a Rita descobriu, diz que
acha que fez bobagem, que não sabe o que fazer. Eu abraço aquela
idiota, afago sua cabeça enquanto ela soluça no meu peito, só
consigo dizer, Que merda, Lucinha, que merda...
***
Tomás
não fala comigo. Olha pra mim como se eu fosse apenas aquela colega
de turma de antes da viagem, com quem às vezes ele se engraçava.
Parece até que ele nem sabe que eu existo.
Não
consigo falar a respeito com Lucinha. Ela só pensa no
"Afrânio,Afrânio,Afrânio"!Já está me irritando.Mas,sei
lá. Tem algo mais. Parece que tenho vergonha disso tudo, do meu
romance na praia, do pé na bunda, ou raiva. Mas não é. É medo.
Daí,
chega uma hora que eu me emputeço de vez, chuto o balde.
No
meio do recreio. Eu tento por o Tomás contra a parede: olho ele na
cara sem dizer nada...ele se espanta, fica sem jeito, vai fazer
alguma brincadeira idiota pra se livrar do clima embaraçoso e então
eu começo a entrar em pânico, vou embora feito, ah, você sabe.
Feito uma colegial idiota. Só falto chorar de coração partido.
Porque
eu olho naqueles olhos verdes do Tomás procurando algum sinal de
reconhecimento... aqueles olhos verdes que me fisgaram desde a
primeira vez...
E
então eu me lembro de quando olhei pro rosto dele e pra dentro dos
olhos... dele... naquela noite na caverna e tenho vontade de começar
a gritar ali, bem no meio do pátido da escola.
***
não
quero falar a respeito
não
quero mais ter que pensar a respeito
***
“Simbologia”,
o cacete.
Eu
tenho que falar a respeito, senão eu não consigor parar de pensar e
pensar e então eu vou endoidecer de vez.
Porque,
no fim das contas, eu trouxe mesmo uma lembrancinha daquela viagem.
Ou duas.
Encontrei
o colar quando já estava em casa, desfazendo minha mala. Ele é
lindo, ele é único (como todos os outros que vi lá na aldeia), ele
é só meu. Não faço idéia de como foi parar ali.
Só
sei que ele tem um cheirinho gozado de peixe fresco que me dá
vontade de vomitar.
E que meu período
está atrasado .
Um comentário:
Posso ficar abraçadinha com você Nando Reis (Clone)?
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