[mini-conto] contagem regressiva: vinte e quatro horas

CONTAGEM REGRESSIVA:VINTE E QUATRO HORAS

A sonda robótica da série Baobá  teve tempo de sobra para recalcular e reajustar sua trajetória , com o alarme de tempestade solar. Localizou e alcançou um planetóide, pousou e agarrou-se em seu "lado escuro", oposto ao jorro de alta energia, perfeitamente segura.

Em alguns segundos de ócio aliviado, checou e rechecou seu banco de dados:descobriu que aquele pedaço de rocha flutuante não fora catalogado. Precisou apenas de uma fração desse tempo para uma pequena deliberação, para escolher um nome para essa sua descoberta e para emitir um pedido de posse em direção aos servidores centrais do sistema solar.
Foi ao  calcular e disparar a mensagem que percebeu que o planetóide estava em ligeira rotação.
Em instantes, o lado escuro giraria, expondo a sonda ao plasma destruidor. A sonda Baobá desprendeu-se de imediato da rocha lisa, retraindo os ramos sensores/emissores e o sistema fixador e minerador de pseudo-raízes de baobá, deixou-se fluturar por dez longos segundos, enquanto observava as marcas de seu enraizamento afastando-se em direção ao horizonte...cada vez mais brilhante de radiação... aproximando-se mais rápido do que era saudável para o delicado maquinário da sonda.
Já "pegara" alguma inércia do planetóide, já acompanhava seu movimento giratório; aproximava-se do horizonte com mais lentidão que as marcas deixadas na rocha, mas com a mesma inevitabilidade .Se afastasse mais ainda da sombra ou saísse "pela tangente",seria exposta e destruída pela tempestade solar. não podia desperdiçar mais combustível reajustando sua "órbita", já gastara o bastante com o pouso imprevisto, demoraria muito a repor as perdas apartir dos traços de elementos no vácuo e no planetóide "a seus pés"...e isso requeriria ainda mais energia.
Começou a expandir e a retrair as pseudo-raízes num ritmo constante, intenso: como um bípede equilibrando-se precariamente sobre um rochedo que rolasse ribanceira abaixo. correndo para ficar no mesmo lugar.

Que imagem idiota. A sonda robótica da série baobá decidiu reduzir ao máximo seu gasto de energia. desativou suas funções superiores; a consciência mecanicista retraiu-se,nublou-se, letárgica,sonolenta...
Do fundo de seu tropor vegetativa, a sonda baobá percebeu um silhueta  pouco além do horizonte -logo ali -,em aproximação lenta, deliberada: uma figura arrastando um espada, vestindo um casaco azul e botas negras, e, que coisa idiota, todos esses apetrechos, desproporcionais à pequena figura , de longa sombra, do garotinho loiro...