Roberto acordara tarde naquele domingo e acordara com uma bruta enxaqueca, mais uma tremenda idéia para uma história.
E a idéia escapulira logo, fugira, sumira tão espontânea como surgira, deixando Roberto com a cabeça latejante, tudo piorado pela frustração da oportunidade perdida, a aflição pelo prazo que acabava, o prazo da entrega do conto encomendado - o conto que Roberto ruminava há um mês, que iniciara e descartara tantas vezes. Que encontrara pronto ao acordar, afinal, naquele domingo , mas cadê,então.
Passou o resto do dia sem sair de casa, deitado na escuridão do quarto ou da sala ou do escritório, levantando-se apenas para engolir qualquer medicação que encontrasse: buscando uma posição mais confortável para abafar a dor, tentar reencontrar aquele fio solto de pensamento.
À noite, fraco, zonzo, a cara amarelada e mal-barbeada no espelho do banheiro: encarando os próprios olhos de brilho mortiço sob a luz fraca, as veias escuras na testa ampla, pulsando pulsando pulsando no ritmo da dor, a vista de Roberto até mesmo vibrava com aquele latejar cada vez mais frequente, aquela pressão toda - ah, ali: o queixo caindo com o espanto de redescobrir a idéia perdida, a boca aberta trêmula pronta a enunciar a fórmula reencontrada, os olhos se arregalando se arregalando se arregalando até tudo sumir no borrifo de sangue que cobriu todo o espelho.
A faxineira encontrou o corpo na manhã seguinte; a identidade era óbvia,mas o corpo não era facilmente reconhecível, o crânio explodido, espalhado por todo o banheiro. Havia uma janela aberta, nenhum outro sinal de invasão; nada mais fora de lugar na casa de solteirão, a não ser uma série de rastros minúculos,de algum animal indeterminado, pegadas de sangue que saiam do caos do banheiro, atravessavam a casa até a janela aberta, desapareciam na escuridão lá fora.
Impossível descobrir o que ocorrera realmente. Na falta de testemunhas e maiores evidências, impossível descobrir o que acontecera à vítima; o que passara pela cabeça de Roberto em seus últimos momentos de vida.
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