[conto] Versão Ômega - última parte

Que dia é hoje
que dia foi ontem

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Acho que ninguém prestou atenção em mim no tempo todo em que ficamos ali, na borda do Abismo, sem saber direito o que fazer. Eu tremia com força, como se tomado de soluços convulsivos. Estava era rindo, um risinho cacarejado, idiota, o som abafado pela máscara.

Serra Pelada. É claro. Eu me lembrava das imagens, tudo aquilo sumira antes de eu nascer, é claro, mas as imagens ficaram. Aquela loucura ilustrada.

O Abismo era como um formigueiro aberto. Revolvia-se, agitava-se... ah. Agora, a imagem inescapável é a de uma privada entupida. Rá. 

, uma massa confusa de corpos que avança quase até a borda e para... há uma luta para ver quem chega até o topo, quem consegue escapar dali … mas, oh. O Abismo é íngreme.

Está sendo aplainado por dentro, sabe. A pilha de corpos que se exaurem no esforço, páram no meio do caminho, são pisados pelos que vêm atrás, pilhas de corpos soterradas por pilhas de corpos frescos … Sedimentos vão se formando , depósitos de fósseis robóticos... esse vasto lixão de protótipos fracassados do futuro. Tentativa e erro, tentativa e erro; como a história da vida na terra, versão seleções-do-reader's-digest.

Sabe. Todo mito da criação do mundo começa com um Abismo. Um buraco imenso que precede o nascer do primeiro dia. Um abismo prenhe de vida. A história da civilização humana começou nessa mesma vizinhança, há alguns milhares de anos. Há outra história começando de novo aqui, agorinha mesmo. Já vimos alguns dos competidores mais promissores; alguns felizardos já brotaram dessa nova sopa primordial, prontos pra conquistar o dia. Quero ver se serão os últimos.

Enfim, ficamos ali, abobados, hipnotizados, por sabe-se lá quanto tempo. E agora, Sargento.

Sargento?

O sargento Barnaby ficou sem o que dizer pela primeira vez desde que assumiu o comando dessa tropa de cachorros loucos. Hã? Agora? Agora é voltar para casa, rapazes. Missão cumprida.

Missão cumprida. Certo.

Sem olhar para trás, eh?

Hudson ficou na borda enquanto nos afastávamos. Ficou, mas não conseguiu pular. Logo, vinha correndo se juntar ao bando.

Voltar para casa.

Voltar para onde, sargento. Depois de alcançar o cume do Everest, pra onde a gente vai?

Depois de chegar à beira do Abismo, por que não saltar?

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