terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

[miniconto] monstro da semana: o gato de schröndiger

MONSTRO DA SEMANA: O GATO DE SCHRÖNDIGER

Não se pode ter tudo nessa vida. Na maioria das vezes, poder escolher basta entre duas opções já é mais do que suficiente, é um privilégio.
Trocar de carro esse ano ou esperar o próximo. Comprar o almoço ou a janta. Assistir a um filme de ação ou a um de romance.
Aquelas opções dolorosas; idiotas, pareciam, às vezes.Como quando a gata da casa tem essa fornada de filhotes não desejados? E a gente simplesmente os enfia num saco e joga o saco de cima da ponte, no rio, e diz pro filho, eles foram pro céu, ou, eles foram adotados(e a gente diz pra si mesmo:bem, eles são animais, são diferentes da gente,não sentem nada. E talvez até sobrevivam, quem pode saber, ora essa!)
Loira ou morena?
A esposa tinha cabelos castanhos, como ele tinha, ainda que os seus fossem que escassos, já desde a época  do namoro ralos. Rá, se tivessem filhos, nasceriam meio calvos, tudo bem, mas a loteria genética ditaria que cresceriam com cabelos de mesma  cor da dos pais.
Provavelmente.
Se um dia chegassem a ter filhos.
A família ou a carreira?
Ter escolhas já é muita coisa, poder escolher entre uma opção e outra. Muita gente não pode, certo?
Quando ele conseguiu aquela bolsa para ir estudar na Europa...aquela  chance tão crítica para seu trabalho de física teórica...ela não quis ir.Ficou magoada quando não puderam passar a lua de mel no exterior mas, agora, não. Bateu o pé:disse que não queria criar os filhos no estrangeiro.Que filhos, ele resmungou.Ela apenas sorriu e esfregou com carinho o ventre.
Menino ou menina?
Sim,não, ou talvez.Bem, as coisas se resolvem, de um jeito ou de outro.
Ninguém nunca suspeitaria ou procuraria pela sabotagem dos freios (a furreca de carro que ele não quis trocar,naquele ano).Ele não teria nada nada a ganhar com a morte da esposa, ora essa. Menos mal que ninguém ainda soubesse da gravidez.
Basta apenas não olhar para trás. Se a gente não abrir aquele saco, os gatinhos estarão mortos e vivos, para sempre.
Voltando para casa depois de dez anos lá fora, passeando com a nova família. Uma caminha solitária à tardinha: o carro descera a ribanceira desgovernado, entrou na ponte, certeiro, e saiu pela tangente,caindo nas águas profundas. Nunca encontraram o corpo, arrastado pela correnteza.
Suspirando com a chegada da noitinha: as luzes se acendendo nos postes, o zumbido atarefado das cigarras, o marulhar constante e forte do rio lá embaixo. A gente se pergunta, né?
Recostando-se pesadamente no parapeito...o parapeito se quebrou, ele caiu como um saco de batatas nas águas escuras e imundas.
Afundou depressa; lutou desajeitado para subir à superfície quando dois pares de mãos frias o seguraram firmemente, por cada tornozelo.
"Parabéns, papai.Nós seríamos um casal de gêmeos."

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