segunda-feira, 23 de agosto de 2010

[conto] bom, mau, indiferente

BOM, MAU, INDIFERENTE

Apolo e Dionísio.
"Xii, lá vamos nós outra vez."
"Calado que eu quero ouvir."
"Calaboca você."
"Psiu."
"Psiu o caralho, mané."
Ying e Yang.
"Coopere um pouco, por obséquio."
"'Coopere', 'coopere'... Você só sabe falar - 'coopere'! Cooperar com o quê, cooperar comigo mesmo? Você não faz nada."
"Você precisa ser mais compreensivo."
"Compreensivo o caralho."
"Tenha um pouco mais de paciência, ora essa."
O Gordo e O Magro.
"Chega de nhé nhé nhé e me ajuda aqui. Dá uma mão."
"Ora, precisa da minha ajuda? Realmente? Tem certeza?Quem sou eu."
"Ah, deixa de viadagem. Para de ficar bundando aí."
"Bem, então um pouco de cooperação não faz mal a ninguém, concorda?"
"Calaboca e segura a outra perna."
O Médico e O Monstro:
Não há Razão sem Ação. Não há Sentimento sem Cálculo.
Não há Filosofia sem Ciência.
"Porra, essa vaca é pesadinha, hein."
"Silêncio. Concentração."
"RÁ! 'Concentração', ele disse."
"Caluta."
...caluta,cicuta.
Sócrates foi condenado à morte por dizer a verdade. Sua defesa foi: "o diabo me obrigou a fazê-lo".
"Rá, essa foi boa."
"Concentrado, concentrado...Não vá escorregar nessa poça de sangue aí."
"Ó, cuida aí do seu lado que eu cuido do meu, tá falado?"
Sócrates era impelido a dizer sempre a verdade por seu "daemon", seu gênio interior. Estranhamente, para nossas sensibilidades modernas, o fato de alguém admitir ser guiado pela voz de um espírito desencarnado não era causa de estranheza para os gregos antigos. O "problema" de sócrates não era o de parecer louco, era o de fazer sentido demais.
"Pronto. Agora temos que limpar essa sujeira."
"A gente tem é que dar no pé o quanto antes, isso sim."
"E deixar um monte de evidências? Todo esse rastro levando diretamente a...bem, você-sabe-quem."
"Porra. Tá certo, tá certo."
"Isso. Mãos à obra , então. Arregace minha manga que eu arregaço a sua."
"Mas se falar em 'cooperação' mais uma vez só, eu arregaço é a sua metade da cara. Mané ."
Sócrates buscava a Verdade num mundo corrompido pelo pragmatismo relativista dos Sofistas. Da forma como era representado nos diálogos platônicos...
" Espere um instante só. 'Diálogos'? ‘Diálogos’?! Faz-me rir. Monólogos, isso sim."
"O que é 'monólogo'?"
...bem. Sim. De certa forma.
Em seus...textos...Platão...
"Faz-me rir, faz-me rir. Platão odiava a palavra escrita e tudo o que sabemos de seu pensamento é de segunda mão, registrado por seus discípulos, ora essa..."
"Prestatenção aí, porra!"
"Da mesma forma que tudo o que sabemos de Sócrates é filtrado pela palavra de seus próprios discípulos - Platão entre eles!"
...p-p-p-p-platão...
... "platão" significa "de ombros largos". Sim.
Num dos ombros de Platão, Sócrates; no outro, toda a tradição anterior do pensamento grego .
Sim.
Como dois "daemons" conflitantes. Em lados opostos de uma gangorra - ou,ou,ou,ou nos pratos de uma balança! cujo fiel é a cabeça do pai do pensamento ocidental...
"Porra, ele tá perdendo o controle de novo. Anda logo com isso, vai."
"Bem, não podemos nos apressar. Não podemos deixar nada para trás."
"Escuta só, e se a gente botar fogo nessa merda toda,hein?"
"Ora ... Tem razão, isso pode funcionar. O prédio da faculdade é antigo, o sistema elétrico antiquado... Não doi tentar, correto?"
...não. Socrátes não foi condenado por ser considerado louco, mas por ter razão demais.
Os antigos sabiam. Os deuses podem falar através dos homens, sim.
Hoje, a ciência pode ajudar a filosofia. Sim. Explicar as coisas, certo? Sim,sim.
Pegue a hipótese da "mente bicameral", por exemplo.
Há quem diga que a mente do homem antigo funcionava de forma  fundalmente diferente da nossa: como que divida ao meio. Os antigos acreditavam nos deuses porque literalmente ouviam vozes dentro de suas cabeças, vindas sabe-se lá de outro...vindas do outro lado, ecoando entre as metades distintas do cérebro.
E suponho que acreditassem nessas vozes fantasmagóricas pois muitas vezes elas tinham razão.
Aparentemente, a divisão entre os hemisférios esquerdo e direito de nosso cérebro diminuiu nos últimos milênios. Daí, paramos de ouvir vozes. Perdemos o conselho dos espíritos, dos deuses.
Mas, convenhamos: talvez seja oportuno reviver esses supostos atavismos. Separar e distinguir melhor as coisas.
Dividir-nos e multiplicar-nos.
Vivemos numa época confusa, afinal. Conselhos são sempre oportunos.
Mesmo que venham de um anjo bom e de um anjo mau empoleirados em cada um de nossos ombros.
"Nó, olha só como queima."
"Bem, está acabado."
"Ré."
"Eu sabia que ele não deveria ter tomado aquele ácido."
"Qualé. Foi um barato."
"Foi um desastre, olhe bem pra isso."
"Qualé."
"E você tem que admitir: a culpa é toda sua."
" Ah, tá falando comigo, é, mané?!"
"E há mais alguém aqui?"

Um comentário:

Cirilo S. Lemos disse...

Tô virando fã dos seus textos, Érico.