terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

[miniconto] caído

CAÍDO

O conhecimento é um fardo, o conhecimento é um peso e um grilhão. O conhecimento que cala, o conhecimento-segredo: ele não é um prêmio, tesouro, mas uma punição.



O louco sabia disso, tentava esquecer , tentava se livrar da sua sina, fingir que conhecia o segredo. Mas a loucura não lhe trazia alívio, não era fuga nenhuma.


Vivia nas ruas, solto, ou,antes, jogado. Mais um indigente: fácil de ser ignorado-anônimo e invisível pelo incomôdo que sua presença causava. Ostensivamente ignorado. (Livre e solto, eh? Como se de própria escolha. Ah, se eles soubessem.)

Incógnito, como pretendia, de início, com tinha que ser. Adaptável, plástico,até, como fora educado
. Que isso tudo fosse uma representação, uma performance teatral na rua, então. Ele não era um mendigo fedido e louco. Apenas fingia ser.

Tinha seu bordão de doido, é claro, mas era um clichê, um bordão com data de validade vencida:"o fim está próximo". Não estava próximo, já acontecera; o clichê se tornara, inevitavelmente,realidade. O mundo acabara e ele estava só num planeta com seis bilhões de seres humanos.

O seu mundo acabara, ao menos; caído , espatifado.
(o nó do dilema, o cerne e a tragédia da mania de perseguição está em quê, se você viver e agir como se todos estivessem contra você, depois de algum tempo, todos ficarão realmente contra você. Aja como se não confiasse em ninguém e,logo,ninguém mais confiará em você. Tiro e queda, batata.Funciona sempre.)

...sequer fora "abduzido":viera parar no inferno por escolha própria.

Depois da queda: esforçando-se ao máximo para se parecer com os outros, com todo mundo. Misturar-se. Mas ali,naquela terra de estrangeiros, todo mundo era diferente. Todo mundo era alienígena.

E nem se tentasse, nem se desistisse da farsa, redescobrisse sua cara original antes da queda - nem se quisesse, conseguiria ser mais alienígena que os outros.Se subisse no topo daquele monumento bizarro e berrasse para todos na rua, "EU SOU O ETÊ DE VARGINHA!"...Ninguém acreditaria.

Seu disfarce era perfeito.

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