[miniconto] contagem regressiva:oito minutos

CONTAGEM REGRESSIVA:OITO MINUTOS

Depois de meses de preparao e antecipação, deliberação,rezas,negação, cálculos...Quando os alarmes finalmente soaram ,todos no Instituto já sabiam o que fazer. E, mesmo assim, todos entraram em pânico.

Menos Ricardo. Correu para o banheiro mais próximo no exato momento em que a sirene disparou, de certa forma antevendo o caos incipiente e, antes de alcançar o santuário do reservado, já se vendo obrigado a se desviar dos colegas que se atracavam em loucura desesperada,como que cobrando uns dos outros uma solução mágica para a situação crítica.
Dava passadas largadas, sem correr, como se aquilo fosse um treinamento contra incêndio ...bem, de nada valhera o condicionamento de anos de pesquisas a todos aqueles cientistas gabaritados:  Ricardo registrou ,sem avaliar, que o Maciel do Departamento de Física acabara de se enforcar em seu gabinete (reconhecera o velho camarada de truco de viés, enquanto passava sem parar pela porta, por suas típicas meias coloridas ,berrantes nos tornozelos que tremiam violentamente, aquele par de pernas dependurado no ar).
Concentrava-se no telefone celular: rediscava e rediscava o número da esposa Marlene, ouvindo em resposta apenas a mecânica mensagem pré-gravada, deixe sua mensagem após o sinal etc.etc.  - sentou-se afinal no tampo do vaso sanitário, exasperado; massageando a ampla testa avermelhada, deu a descarga algumas vezes para tapar o som dos berros de medo e raiva que agora vinham com força lá de fora, entremeados de vários tiros.
Respirando fundo. De novo. Isso.
Bem, ele tentara. Tentara salvar o casamento,que andara capenga no último ano. O fato de que pensava apenas em Marlene naquela hora deveria ser prova irrefutável de que a amava, afinal de contas. Pena que não poderia dizer-lhe isso, diretamente. Pena que esperara até o último momento para tanto.
Tanto o que dizer. Como poderia lhe falar das preocupações que o atormentavam naqueles meses torturantes, que o tornavam um marido tão distante? ...e ela, tão pouco paciente. Não aceitando quando ele dizia que estava preso a um projeto delicadíssimo - e secreto. Como assim, "secreto", Ricardo? E você vai receber bonificação por isso, vai, vai é? Vai nada!, etc.
Todos no Instituto haviam jurado segredo, obrigados pelas autoridades. Se aquela informação vazasse, o pânico destruiria o mundo. Bem, o mundo estava condenado, de qualquer jeito,mas,enfim.
Havia a possibilidade de que estivessem errados, afinal. De que o alarme imprevisto não soasse nunca. Mas soou, inegável:marcando oito minutos exatos para uma massa monstruosa de partículas super-energizadas atingisse a Terra, vinda do Sol, e exterminasse toda forma de vida na face do planeta.
Fim do mundo, fim do casamento. Fazer o quê,afinal.

Quantos minutos faltavam ainda?-ah, que se dane. Olhando indolente para o telefone celular em sua mão; talvez ainda tivesse tempo para uma partida de videogueime...
Quase se borrou todo,aproveitando a pose, quando o aparelhou zuniu em sua mão - quase o deixou cair de susto, saltando feito batata quente. Custou a se controlar, foi com o coração ainda disparado que atendeu à chamada.
"Bom dia! Com quem estou falando?"
"Hã, com quem você deseja falar?"
"Meu senhor, bom dia! Tudo bem com o senhor? Meu nome é Jucileide, represento a companhia de cartão de créditos Creditil e gostaria de lhe falar de nosso novo plano de crédito fácil e simples se o senhor tiver um
momentinho- qual é mesmo seu nome?"
"Ricardo..."
"Tudo bem senhor Ricardo? Meu nome é Jucileide-ah, sim,hã...Ah, tenho que avisá-lo que nossa conversa está sendo gravada"
"Sim,sim,compreendo..."
"Rá,rá,tudo bem-senhor Ricardo, já ouviu falar de nossa empresa ,Creditil?Conhece nosso novo plano de crédito fácil e simples?"
Ricardo respirou fundo.Sentiu que ainda tremia um pouco.
"Não Jucileide,não conheço."
"Muito bem.Senhor Ricardo, se tiver um momento, gostaria de ouvir sobre nosso novo plano de..."
"Jucileide."
"Hã, Sr.Ricardo?"
"Não tenha pressa, tá? Temos todo o tempo do mundo."