domingo, 27 de março de 2011

[conto-curto]o monstro da semana: síndrome de pânico

O MONSTRO DA SEMANA: SÍNDROME DE PÂNICO

Quando menos se espera, a coisa vem e te pega.

Daí que a gente fica o tempo todo esperando a coisa aparecer,vive em função disso,desse medo que corrói, enxerga ele chegando em qualquer barulhinho fora de lugar, qualquer sombra passando pelso cantos da visão, qualquer bobagem.
E por mais que a gente se previna e fique atento, ele vem e nos pega de qualquer jeito. Esse pavor todo, final.
E então ele passa. E a gente passa o resto da vida esperando ele voltar.
Que ele volta,sim senhor...

***
O pastor cuidava inquieto de suas ovelhas ; a sua volta, as colinas em ondas , espalhando-se, nuas a não ser pelos olivais . Acima, o céu imenso, escurecendo aos poucos, ensombrencendo o mundo.

Bééééééé
O conforto dos balidos costumeiros também perdiam a força, como a luz do dia. A indolência o afligia. Aquela expectativa, como que de uma chuva pesada que se anunicasse mas, não: as nuvens também indolentes, como as ovelhinhas. Inocentes.

Bééééé
Aquele silêncio!Nem o vento.Orando em silêncio...esforçando-se para lembrar as orações que aquele outro pastor, o de homens, trouxera de sua terra distante. o conforto das orações: depois do espanto...apocalíptico
das palavras ferozes daquele homem santo.
O pastor lutava com um caniço e faca: uma flauta, uma música débil para o murmúrio débil de suas orações, contra o silêncio.

Pois não o sabiam todos , agora? Uma voz vinda dos céus não o anunciara à beira do mar?

"O Deus Pã está morto."
Béééééé
,mas, oh, homem de pouca fé: não é o deus pã um grande mentiroso e um enganador?

O deus que viera para substituí-lo e aos outros deuses ... viera, fora embora : vigiava a todos das alturas, sem diferença. Mas essa altura , essa distância parecia ao pastor grande demais naquele momento:aquela imensidão de céu, aquela distância intransponível.

Será que esse deus, lá de suas alturas, o protegeria do velho pã?

Béééé!
o último dos velhos deuses, mortos, ou exilados para um hades que ainda persistia na fé cristã:inferno. pã ficara para trás, não?
mas pã não existira.nunca.
não era verdade? mas a voz no mar, a voz nas alturas...

o pastor terminou sua flauta rude,soprou o pó,ensaiou uma música - nada.

Olhou através do orifício, cutucou um cado mais. Ia soprar mais uma vez...antes de depositar os lábios no bocal: um som cristalino a suas costas...os pelos da nunca enrijecendo-se, o gelo no corpo.

Bééééé?
Voltou-se bruscamente. Nada, a não ser as ovelhinhas distraídas...E as colinas como um oceano congelado em seu ondular e o céu infinito.

Nem um vento sequer.

O pastor ajoelhou-se em meio a seu rebanho, a flauta nas mãos juntas,a oração apressada - os olhos apertados - maldizendo-se por suas tolices...

A suas costas, uma das ovelhas ergueu-se sobre as patas traseiras, desfez-se do pelo branco denso com um sacudir de ombros, aproximou-se pé ante pé do vulto encolhido e que tremia.

Búú.

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