terça-feira, 22 de março de 2011

[trailer] planeta b


PLANETA B
[escrito para a Semana de Terror Clássico da comunorkut Contos Fantásticos, sob o pseudônimo "Dr. Truta Matatripa , PHD,MD,FDP"}

O alerta fora dado pela montaria, como sempre; Poncho teve que lutar um pouco com as rédeas e sussurrar alguns acalantos e ameaças pra poder acalmar a Rosita

Do alto do despenhadeiro, tinha visão ampla daquela noite de raro céu sem nuvens e lua acesa sobre o Vale do Pó,extendendo-se por quilômetros e quilômetros sem maiores obstruções.
Esperava o maldito mensageiro do norte, com a bendita mensagem urgente enviada pelos cientistas ingleses. Poncho cuspiu de lado o sumo rico de fumo de mascar psicoativo, limpou a baba num braço. O inglês deveria ter parado num bordel, só podia, deixando o pistoleiro e a fiel Rosita congelando seus rabos italianos naquela noitezinha desértica.
Poncho estava nervoso mesmo que não o admitisse,  queria estar de volta ao aconchego fedendo a estábulo de Cactusville. Não tinha medo de nada...de quase nada. Bom, não temia nenhum bicho em que pudesse meter uma bala. O problema é que poderia encher de chumbo os mortos-vivos e isso não adiantaria porcaria nenhuma.
Tudo culpa daquela cepa maldita e disseminada de bactérias mutantes que colonizavam qualquer corpo morto naquele mundinho esquecido de Deus, substituiam células, refaziam - ainda que porcamente - tecidos e órgãos, reanimavam os infelizes defuntos, punham-nos a rodar mundo em bandos esfarrapados e luminiscentes que- graças a São Fellini!- só saiam à noite... mas, quando saíam, eram em massa, multidões maiores do que qualquer uma que se encontrasse em super-produção da Cinecitá. E sempre esfomeados, os filhos de uma putana.
Como qualquer caubói italiano do pós-guerra, Poncho fora treinado pelas velhas bruxas strega em técnicas arcanas de projeção astral e dilatação do tempo: era capaz de dar doze tiros com arma de seis balas e acertar qualquer alvo sem sequer fazer mira.
O problema com os mortos-vivos, porém, é que, quando apareciam, não paravam de vir.
Nem todos tinham pulmões suficientes para emitir seus gemidos inarticulados e denunciadores...e a direção do som de seu arrastar de pés,inconfundível, era difícil de identificar. Melhor, ou pior, era esperar que aparecessem à vista, com suas manchas fluorescentes verdes...logo depois, ficavam ao alcance do contador geiser:quando esse começasse a zumbir, era sinal de que o cerco estava se fechando, ou de que o sujeito já não tinha mais para onde fugir.
Fazer o quê, né. Era a vida depois do fim do mundo. Poncho nem sabia se tinha direito de reclamar.
É claro que as coisas estiveram um piores no início da década: Nixon ganhando as eleições ianques em 1960, depois, peitando os russos durante a crise dos mísseis em Cuba e dando início à Terceira Guerra Mundial. É,aqueles foram uns tempinhos meio complicados.
E é claro que lá no sul, no Mediterrâneo,Egeu e arredores as coisas ainda estavam bem ruinzinhas: as cidades-estado nos moldes da cultura clássica sandálias-e-areia tinham que lidar com toda sorte de mutantes gigantescos que assolavam as costas e montes...se bem que os imbecis, com sua mania de fazer doze missões hercúleas e caçar o velocino dourado todo santo ano, mereciam toda aquela merda de proporções titânicas que eram obrigados a enfrentar.
Nem tudo eram horrores, é certo.Poncho estava ligeiramente empolgado com as notícias de uma renascença kung-fu em Hong Kong e na província de Cantão,fazendo oposição ao monte de senhores da guerra que sobrevivera ao fim da China(se bem que, mais a leste, as coisas voltavam a se complicar, os japoneses com seu problema perene de monstruosidades vindas do fundo do oceano; sempre ensimesmados, se bem que Poncho ouvira dizer que mantinha intecâmbio com as cidades-estado do sul, oferecendo recriar o Colosso de Rodes como um robô gigante).
E, no final da década, os mortos-vivos começaram a aparecer por todo lado. Poncho cuspiu de lado, mais uma vez. Que diabos poderia ser tão terrível assim que fizesse os ingleses insistirem em contactar as autoridades de Cactusville com tanta pressa?
Nesse ponto de seu resmungar, Poncho foi interrompido pelo tiritar do contador geiser.
Engoliu um cado da saliva grossa, engasgou-se , cuspiu todo o naco de uma vez, sacou - engatilhados - os dois revólveres, girando para todo lado sobre a cela, olhos turvos de lágrimas, sem enxergar alvo algum.
Lá embaixo. O sinal estava fraco mas audível, não pela proximidade dos mortos-vivos, mas por seu número: centenas dos desgraçados polvilhavam a pradaria sombria como um enxame de vaga-lumes lerdos. Haviam surgido todos de uma só vez , semi-enterrados na poeira, à espera de algum sinal.
Poncho já mandava sua missão à merda e se preparava para dar meia-volta e galopar de volta a Cactusville como um coiote covarde quando ouviu o rugido do motor à distância, viu a nuvem de poeira erguendo-se no horizonte.
Sacando sua luneta, mirou e viu o conversível prateado cruzando a toda o deserto italiano. lá estava ele em seu terno branco impecável, o carro cheio de mulheres, é claro: o Agente XXX, com licença de Sua Majestade pra trepar que nem coelho, tudo em nome da defesa da liberdade e da boa e velha disputa de cavalheiros com seu arquinimigo, o gênio do mal albino e eunuco, Dr.Angorá.
Bom,agora você se fodeu seu stronzo, pensou Poncho de si para si,sem nenhum prazer. Os mortos-vivos haviam sido despertados por toda pradaria pelo veículo que se aproximavam e convergiam - em massa- na sua direção. mesmo com seu avanço arrastado e trôpego, logo se ajuntariam, barrando a passagem do conversível.
E então o Agente XXX acelerou ainda mais sua máquina e, a poucas dezenas de metros da primeira leva compacta de mortos-vivos, seu conversível abriu um par de asas e levantou vôo.
Veadinho exibido , resmungou Poncho, e foi cuspir antes de perceber que estava sem fumo.
O inglês zuniu um lenta, irreverentemente sobre os braços extendidos da compactada multidão morta-viva, provocando-a, e então alargou suas manobras, desenhou nos céus , com a branca reluzente fumaça de seu escapamento, a breve mensagem que viera entregar – logo depois, zarpou de volta ao horizonte de onde há pouco surgira.
O que era aquilo? O...S...A...L...I...E...
Ah, pelo amor de São Morricone!
"OS ALIENÍGENAS ESTÃO CHEGANDO!
TAH-TAH!"
Aquilo já era demais. Furioso, chicoteando a pobre Rosita, sua formiga gigante de montaria, Poncho desceu a colina de volta pra casa. Passarou por alguns mortos-vivos solitários sem se dignar a dar um tiro sequer, deixando-os para trás, na poeira, gemendo de decepção.
Poncho já estava de saco cheio daquela vida. Ia mesmo era dar um jeito de emigrar para o Brasil, isso sim. Ao menos, lá, a única coisa com que teria que se preocupar era cangaceiros existencialistas.

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