MONSTRO DA SEMANA:CÉRBERO
Mais um dia de trabalho: Beatriz, levando os três mastins dos patrões pra passear.
Mais um dia de trabalho: Beatriz, levando os três mastins dos patrões pra passear.
Aquelas calçadas estreitas do bairro nobre, as ruas feitas para carro passar,não gente. Carro, e cachorro.
As ruas ondulando com os morros,o bairro nobre vigiando do alto a cidade lá embaixo.Beatriz subindo e descendo morro-toda manhã-praticamente arrastada pela cachorrada afoita atrás do próximo poste em que mijar, cagando calçadas afora indiscriminadamente, perseguindo o eventual, infeliz pedrestre que não atravesse a rua a tempo:
Beatriz, sem fôlego, gritando com os três monstrengos e fincando pé, tentando puxá-los pelas rédeas, como se isso adiantasse. Lá adiante: uma dondoca coroa catou nos braços o poodle que mijava concentrado ao pé de sinal de ônibus. A mulher furou apavorada o tráfego agitado da manhã, o poodle gritando desafinado para os mastins, os mastins urrando de volta - largando em carreira atrás da vítima escolhida,
Beatriz puxada sem poder resistir:mal podendo gritar, o rosto veloz no asfalto, o nariz sumindo como pedaço de queijo no ralador: as roupas em trapos depois de algumas centenas de metros - as faces comidas até o osso ensaguentado.
Beatriz ainda tentava gritar quando os cães se dividiram para contornar um caminhão estacionado: dois para a direita, um para a esquerda.Beatriz, os pulsos presos, quase decepados com a força do aperto - o que cedeu primeiro no cabo de guerra foi o braço direito. Beatriz, agora capotante, o laço enrolando-se, atrás do mastim solitário que agora perdia a corrida.
A corda enrolou-se numa árvore velha: o braço quebrado quase em "c", o corpo esfragalhado de Beatriz preso,ancorando o mastim que parou no tranco com um ganido.
As folhas da árvore tão rudemente balançada, chovendo sobre Beatriz:grudando em seu corpo ensaguentado. incapaz de se mover, o pescoço quebrando, enxergou com um canto do único olho intacto - a cara também grudada no chão, pela papa do sangue - o mastim preso que voltada, seu puxão no braço,relaxando, as enormes patas se aproximando, o resfolegar do monstro de língua dependurada, um rugido gutural, o sacudir das presas mordendo rasgando mastigando a carne.
O mastim acabou vomitando um punho, pelo laço que o prendia, que o predia à coleira. Voltou pra casa tranquilamente, como voltariam seus dois companheiros, depois de satisfeitos com a caçada:senhores daquelas ruas, daquele mundo.
A consciência de Beatriz suspirava, dispersa nos pedaços de seu corpo deixados por cerca de um quilômetro: a manhã não fora pior do que ontem, não seria pior que amanhã. E ela recebia salário mínimo, no fim das contas, garantido: por toda a eternidade.
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