O MONSTRO DA SEMANA: SACI
Seu Justino trupicava pelos caminhos à noite perseguido pelo azar tanto quanto pelas moscas (que seguiam o rastro de seu bafo de onça). Xingava e esmurrava os ares e decidia-se num momento de falsa clareza (e de falsa coragem) agarrar o diabo da má-sorte pelo rabo antes que o bicho danado o agarrasse pelo pescoço.
Pelo rabo ou pelos cabelos, o que fosse. Bicho salafrário, pulando pra longe do laço, chutando poeira na arapuca, rindo e mostrando só a brasa dos olhos , na escuridão toda - o capeta! Era a touca o seu ponto-fraco; o que lhe faltava em perna, sobrava em cabeça e artimanha, e em magia braba que o fazia sumir num pé-de-vento depois de cada traquinagem. Ninguém via nada, só o seu rastro de bosta feita.
Ninguém via nada, mas aquilo era claro pra todo mundo, ora essa. Como era claro pra Seu Justino esse mal que o assolava: má colheita, gado que não dava leite, filharada perdida na vida, a esposa Jandira - a caninana! - que, se não lhe botava chifres na testa toda noite, dava-lhe coices nas bandas toda manhã.
O leite azedava (mas o queijo não curava); as panelas caíam-lhe na cabeça de prateleira nenhuma; as facas perdiam o fio e os morcegos cagavam dentro de seu chapéu - era o diabo, meu camrada!,ele dizia pra quem quisesse ouvir (ninguém).
Mas, psiu, ó, ele segredava para seus amigos inexistentes: o segredo estava na touca; deixa-se o capetinha perneta descalço da cabeça e ele não pode se sumir, tá pego,tá no bolso (e prende-se o demônio na garrafa, seu justino deveria juntar, se tivesse qualquer noção do que falava; mas o demônio na garrafa era outro, transparente e mesmo assim evidente pra todo mundo, menos seu justino - pra quem "cachaça da boa" era aquela que lhe passasse pela goela, logo, qualquer uma que fosse)
Mas diz aí, ô Justino! como é que se toma a touca do danado, ora essa!instigava o último amigo imaginário do matuto. Justino sorriu e piscou ladino e cego no escuro do caminho. Sentou no chão, puxou um rolo de fumo cheiroso do bolso, rosnou: pego o puto pelo pito!
Pôs-se então a cantarolar músicas que não sabia, fingindo-se de tranquilo,olhando de esguela,esperando o cujo aparecer (ou não), descascando o fumo com o canivete enferrujado, cortando o dedo, puxando a palha do cigarro e deixando tudo cair, caçando na poeira da estrada sem poder achar, pois não via que estava tudo escuro ali,ó,no fundo da madrugada.
E o compadre inexistente acabou perdendo a paciência, as brasas dos olhos nús sem corpo , sós na escuridão se avivando ardendo chiando e esfumaçando dentro daquela invisibilidade toda:
"Bicho imprestável de inútil! Se a carapuça lhe serve, toma e enfia!"
E o chapéu de seu justino voou num piparote, e lhe meteram no lugar uma como que meia, que mais parecia um saco sem fundo: descia apertada pela cabeça mas não parava na testa, e continuava, até os pés, até o chão, até justino desaparecer dentro dela de vez...
Pela manhã, encontraram um chapéu sem dono rolando pela beira da estrada. Levaram o chapéu até a fazenda vizinha, a da Dona Jandira, mas a velha caninana disse que não tinha ninguém ali pra usar chapéu ou calça comprida e melhor assim!,enquanto enxotava as visitas pra fora do terreiro.
Ara,ainda mais essa azucrinação!Era assombração demais prum dia só: encontrara roupa de homem nos varais e nos armários, e não sabia de quem, ainda mais que não lavava roupa pra fora. E, a manhã inteira, algum bicho safado que ela nunca pegava no ato nem voando ou correndo pra longe , vinha e lhe cutucava as ancas, beliscava as pelancas, puchava a saia e desatava o lenço dos cabelos, feito criança chorona querendo atenção.
Mas não havia nada lá, como qualquer um podia ver.
Um comentário:
Oi, Érico. Tão boas suas coisas q dá vontade de escreve sci-fi.
Existe quem invista no reflorestamento com sacis, assim como existem pesquisas sérias sobre sua reprodução em cativeiro, como diz o músico Paulo Freire em SP.
Escuta, gostaria de me corresponder com a Adélia Prado. Vc saberia como trilhar esse caminho de pedras?
Se souber, por favor me escreva no lucio@bdonline.com.br
Dê lembranças ao agente Andrei Golemsky. Fale para não se infiltrar sem mais essa no Pentágono, que o mar não tá para peixe.
Abs do Lúcio Jr.
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