domingo, 29 de agosto de 2010

[mini-conto] beibibum

BEIBIBUM

Rosie adorava crianças (e isso desde que era criança, ora essa) e o trabalho era mais do que bem remunerado... mas talvez por isso mesmo a tensão sutil mas inegável, e constante, em seu trabalho na creche fosse justificado.
Talvez o incômodo viesse da natureza da clientela: aquelas eram crianças tão adoráveis quanto quaisquer outras(mesmo quando aprontavam: eram só crianças, ora essa)...mas os pais nada tinham de ordinário. Ora, eram como astros de hollywood... exceto que nunca estavam sob os holofotes, e preferiam assim.

Rosie sentia-se quase como uma agente secreta; não podia falar a respeito do trabalho nem mesmo com a família e era obrigada a morar nas imediações da base como todos os demais funcionários . Não que pudesse reclamar das condições de trabalho: a qualidade de vida era a mais elevada de que já gozara a´te então e, apesar das acomodações coletivas, a existência não era nada espartana (ainda que a moça nunca se habituasse a essa nova música barulhenta de rock'n roll que as outras colegas de trabalho adoravam tanto).

E, sim, o pagamento era extaordinário. E "seus nenês", umas fofuras; Rosie era talvez a mais paciente funcionária da creche, ainda que risse com as outras sempre que alguém falava em "esses monstrinhos!"...mas os risos morriam rápido, sufocados pelo apego exagerado que aqueles pais nada ordinários tinham por seus filhos perfeitamente normais. Rosie ruminava, ruminava, sem ter realmente coragem de dividir sua opinião com as colegas... mas chegara à conclusão de quê, no fundo, os pais temiam que seu trabalho sensível e, há de se convir, perigoso, afetasse seus nenês, de alguma forma.

"Monstrinhos"ou não, pareciam todos nenês adoráveis para Rosie.
...bem, talvez Rosie merecesse pagamento extra por sua paciência de santa, no fim das contas. Aquela tarde estava sendo mais  quente e seca do que o normal (invariavelmente, quente e seco) , o sistema de ar condicionado não estava funcionando direito e os cabeça-quadradas da base não conseguiam resolver o problema, deixando todo mundo de cabeça quente, de fato. Rosie fazia um belo esforço para manter a compostura (e a cabeça fria), mesmo com as colegas agitadas, brigando com os funcionários da base naquele ambiente sufocante  e quase brigando com os nenês que, é claro, não estavam gostando nada da brincadeira de passar a tarde dentro de um forno.

Todo mundo agitado demais, o fogo brando de viver o nervosismo diário de Los Alamos finalmente levando as coisas ao ponto de ebulição, mesmo naquele cantinho fofo e adorável de mundo. Rosie limpando o suor que não parava de escorrer sob a touca de enfermeira; ignorando a discussão entre as colegas e  os caras da manutenção - concentrando-se na algazarra chorona das crianças, correndo de uma para outra.

Paciente mas firme, era a Rosie: o Júnior - um de vários -era quem dava mais trabalho, momento, fazeno pirraça pelo bico que ela lhe tirara, menino grandinho que estava ficando. Rosie ia e vinha cuidando das outras crianças, o Júnior na mesma murrinha, não entendendo ou não querendo entender. Páreo duro, mas Rosie não era nenhuma novata: no fim, suarenta, teve que parar a correria,braços cruzados frente ao berreiro da criança pelo biquinho, pé firme pra acabar de vez com aquela manha.

Diante daquela fortaleza , Júnior acabou apelando para o velho truque, como Rosie , suspirando,imaginou que faria: prender a respiração. A moça calma, piscando com as gotas de suor que agora escorriam livremente; a criança, pirraçando e pirraçando, bochechas estufadas,azulando,azulando - Rosie, dura - e então começou a inflar.

Tudo aconteceu em cadeia, e mais depressa do que Rosie seria capaz de perceber, quanto mais entender. Primeiro , Júnior fez "pop!" e logo em seguida, todos os seus amiguinhos também , até que  juntos fizeram "BUM!". Depois, mais nada.

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