segunda-feira, 20 de setembro de 2010

[mini-conto] monstro da semana: lobo mau

 
MONSTRO DA SEMANA: LOBO MAU
 
[escrito para o concurso de setembro de 2010 da comunidade do orkut Contos Fantásticos]

Todas eram iguais para ele.
 
Todas elas, lobas em pele de cordeiro; todas essas putinhas. Todas iguais: bichadas por dentro, transmitindo doenças. Venenosas. Como a avó.
Sempre havia alguma esperando na beira de qualquer estrada. Como caminhoneiro , ele rodava o país inteiro, ia pela estrada afora , encontrando as putinhas aonde quer que fosse. Quando podia, quando não havia ninguém olhando, quase sempre: parava como se fosse mais um cliente, cuidava delas. Depois sumia,sem olhar para trás, jogava os restos num canto distante.
As meninas eram perdidas, ninguém ligava pras putinhas, por isso iam parar na beira das estradas. Só ele ligava: odiava a todas.
Não eram crianças obrigadas a se prostituirem: eram monstrinhos doentes , animais. Animais, animais, animais. Ele sempre atropelava algum bicho estrada afora, fazia questão - era como um ritual que lhe trazia sorte.
Como se livrar dos restos das meni...das putinhas. Com cuidado. Como fizera com a avó:
Que o abrigara quando ele perdera os pais, lá no norte; que saia com sua capa de chuva vermelha mesmo nas piores noites de temporal para arranjar clientes na beira da estrada. Que ela levava pro barracão, onde ele aguardava trancado, apavorado, podendo apenas esperar.
No escuro, ouvindo a chuva batendo com força no teto frágil. Chuvas pesadas do norte, como agora; jogara os restos da me...da putinha no lamaçal, voltava tateante no aguaceiro, no mato denso escuro, de volta pro caminhão. E então a chuva parou, rápida como viera, como no norte:apenas o gotejar dos galhos.
Chegando à beira da estrada, onde havia mais luz, ele olhando pra baixo, para tentar ver onde pisava - viu no espelho escuro duma  poça d´água: um vulto fantasmagórico numa capa de chuva. Era a avó.
Mas como, se ele a tinha matado quando dormia há tanto atrás; se a tinha...
É claro. ela ainda estava dentro dele. Ele havia pegado sua doença quando a devorava. É claro. A avó ainda vivia. Aquele monstro - aquele bicho.
Uma buzina de caminhão, os faróis cegantes surgindo depois de uma curva: ele correu para o meio da estrada sem olhar para os lados.

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