sexta-feira, 25 de março de 2011

[miniconto] o monstro da semana: homem-bomba

O MONSTRO DA SEMANA: HOMEM-BOMBA

O mestre de cerimônias foi interrompido na abertura dos trabalhos do simpósio científico pela figura indigente e alucinada do cientista louco; este empurrou-o para fora do palanque, abriu esbravejante seu casaco, exibindo à plateia perplexa sua obra-prima.
Após anos de opóbrio e repúdio oficial, havia concluído sua pesquisa solitária, tornada concreta na cinta liga feita de fios e baterias e placas e que zunia ameaçadora sobre seu torso raquítico. Mostraria a todos, agora, todos aqueles ali presentes que haviam ridicularizado seu trabalho por todos aqueles anos: sem discursos, apenas ativou a bomba ômega com o pressionar de um botão em seu cinto e um sorriso insano.
Houve um ligeiro erro de cálculo.
A bomba ômega deveria converter toda a massa de seu corpo em energia, numa explosão monstruosa, de proporções cósmicas, violenta o suficiente, ao menos para partir o planeta ao meio. Ao invés disso, porém, toda a individualidade cuidadosa,penosamente delimitada e equacionada do cientista louco implodiu numa micro-singularidade:
Todo o seu ser, toda a sua existência, todas as órbitas e trajetórias até então percorridas por todas as partículas incontáveis que um dia compuseram o cientista-louco foram tragados pelo minúsculo buraco negro:toda a história de sua vida, revirada até o momento de sua concepção, e então acabando ali, sumindo na encruzilhada em que haviam se tocado certa vez um espermatozóide e um óvulo. A singularidade de sua vida tornara-se uma nulidade:não só deixara de existir como,no fim, nunca fora.
O universo imediatamente se acomodou àquela transformação. O mestre de cerimônias hesitou um instante infímio frente a sua platéia; pigarreou, tomou um gole d'água barulhento,sorriu embaraçado,retomou sua palestra introdutória como se nada houvesse acontecido.
Como , de fato, nada acontecera.

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