sábado, 27 de agosto de 2011

[conto-curto] A casa vazia


Então, era assim que se parecia uma casa mal-assombrada, vista de dentro.
Zezinho não estava impressionado, não estava mais . Depois de toda aquela tensão, o atravessar o capinzal descuidado do jardim da frente , olhando adiante, para as janelas quebradas feito olhos cegos - olhando para trás, para a molecada além da cerca alta e enferrujada,'Damastor, João e 'Nanias escondidos atrás da mangueira , e os três se riam e acenavam e o incentivavam com gestos a ir em frente, sempre em frente, mais um cado...

A porta aberta e rangendo na semi-escuridão da tardinha: bem mais escuro lá dentro, bem mais. O ar pesado, mesmo com as salas amplas e vazias e as janelas de olhos furados: deixando o ar circular, mas não havia vento lá dentro. Apenas poeira, cheiro de mofo, ecos.
...entulho:o bruta susto do tropeço, Zezinho às cegas no salão de entrada do casario, caindo de cara no chão - mordendo os lábios de susto e raiva e dor...Só mais um cadinho e a queimação nos joelhos e testa passavam, só mais um cadinho e as lágrimas pararam de pingar marcando o assoalho empoeirado.
Ergueu-se dolorido, mais de vergonha que dos machucados, limpou os olhos no braço: agora é que não podia voltar, com aquela cara amarrotada de bebê chorão. É agora é que tinha que ir até o fim com o desafio, subir até o quartinho no segundo andar, acenar para a molecada lá fora da janelinha.
Fungando, olhando em volta, mais cuidadoso, já se acostumando com aquele escurinho indeciso: aquela casa...Aquela casa oca: ela não era assustadora, imunda, abandonada daquele jeito. Ela não era tão assustadora assim, afinal de contas. Ela era apenas triste.
Zezinho perdeu o medo, ficou uma curiosidade ligeira no lugar. Demorou-se no primeiro andar da casa, vasculhando aqueles cômodos diferentes e iguais no abandono; tentando imaginar como era vida, ali, quando ainda havia vida e gente dentro da casa.
Tinha que se esforçar bastante...sentia-se cansado - há quanto tempo estava zanzando por aquele lugar? Que horas eram? - ali: a tardinha não morrera, a luz avermelhada e fraca ainda brincada pelo chão...Zezinho despertou-se com um pequeno xingamento, correu pela escada acima - parou, assumiu um passou mais lento e respeitoso.
O segundo era mais estreito, quase só quartos. Mais íntimo; era mais fácil imaginar gente habitando a casa , ali, aconchegados, olhando o mundo por aquelas janelas...
Zezinho encontrou rápido o quartinho e a janela determinados... o anverso indecifrável, o lado de dentro da casa assombrada: tão nú, tão quieto, tão só. Espiou através dos cacos da janela desdentada...É, o mundo também parecia diferente, daquela posição.
Não conseguia ver a molecada. Ia chamá-los com um grito quando viu um senhor parado lá embaixo, olhando para a casa, tão parado - tão só, tão entristecido, parecia. Estava bem ao lado da mangueira...mas a mangueira era outra, deveria ser; aquela estava despelada, sem folhas, parecia morta, murcha até...
Zezinho não conhecia aquele senhor, mas devia ser algum parente do 'Damastor,parecia-se bastante com o menino.Deveria estar de passagem, de visita, provavelmente viera ali ralhar com a molecada, mandara todos para casa.
O velho voltou aquela cara cansada para o segundo andar - Zezinho começou a acenar com força para chamar sua atenção. O homem o viu,então...e arregalou os olhos, abriu a boca começou a tremer, bambear, parecia que ia ter um troço e desabar ali mesmo - mas apenas saindo correndo berrando como um endemoniado.
Que esquisito.
Zezinho ficou com medo de que o velho fosse lhe criar problemas, dizer a seus pais que estava fazendo molecagens na casa abandonada. Decidiu voltar para casa na hora, foi correndo descer as escadas - estancou lá embaixo:
Havia um menino dormindo,largado no meio da sala. Zezinho não se lembrava dele, antes...Achou esquisito. Ficou com medo de acordá-lo. Queria ir para casa, queria mesmo, sabia que os pais iriam ficar preocupados com ele... o tempo estava passando, mas a noite não caia. Ainda assim.Ficariam preocupados.
Mas não iria acordar o menino. Não. Aquele garoto...Aquilo era a única coisa que lhe metia medo naquela casa inteira.
Voltou de fininho para o segundo andar, voltou para seu lugar em frente a janela. Ficou ali mesmo, esperando. Talvez o velho voltasse. Talvez os meninos viessem com seus pais, buscá-lo. Talvez o garoto lá embaixo despertasse e Zezinho então pudesse ir embora.
Talvez aquela tardezinha acabasse de vez e a noite caísse afinal.

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