sábado, 9 de abril de 2011

[conto-curto] achados & perdidos

ACHADOS & PERDIDOS

O embrulho era brilhante , papel de presente e laço coloridos como os de ovo da páscoa qu e Bertão sempre se esquecia de comprar para os filhos; o pacote chamava atenção, afinal, mesmo ali, do alto do assento de motorista de ônibus.


Ficava na cabeça da gente, também, pegava - Bertão sacudia a cabeça como que para espantar o sono, fechava com chiado as portas do ônibus ao sinal do trocador, tocava pra frente. Que o embrulho brilhante recorria; pensava tê-lo visto , largado, em mais de um ponto da rota constante, mas não,era o mesmo:debaixo de uma marquis,ao lado do banco - não: de um lado do banco, do outro, às vezes embaixo(sempre visível).

Esquisito: isso durara o quê, dois dias?e ninguém levava embora o imbondo. Esquisito, esquisito:dois dias malucos, Bertão com a cabeça fixa no tal pacote pra tentar ignorar o resto?que a "freguesia" escasseava, naquela rota. a cada nova viagem,ida,volta, menos passageiros, mesmo nos horários de pico - menos tráfego, menos pedestres...

A cidade meio deserta, Bertão sentindo-se perdido- que cidade era esta, a mesma de ontem?-ao chegar de bicicleta ao trabalho, naquela mãe: faltara metade dos funcionários da empresa, esse feriado sem aviso que assombrava a cidade.

Toca pela mesma rota, ele e a Simone como trocadora. Chega àquele ponto - alá, sob a marquise: o presente de ninguém, 'luminoso e intocado. E ninguém mais a vista.

Simone, faladeira, sem história pra contar naquela manhã - pede pra Bertão parar assim mesmo , que vai ver uma coisa e já volta. Bertão já sabe, ela vai fazer o que ele quis sem pensar sem dizer.

Espera, espera. olhando em volta: esse silêncio cemitério. só os sinais de tráfego, piscando,mudando de opinião,de cor - espera, e nada:arrisca a olhadela indiscreta no retrovisor da direita - o embrulho continua lá, mas cadê Simone.

Desce esbaforido. Dá a volta no ônibus, olhando pra todo lado - até debaixo do veículo- mas cadê. Só não chama,gritando,porque tem medo do som que terá o eco.

Rodando em volta,aprendendo o que significa a palavra "pânico"- chuta o embrulho no chão, sem ver. leve, algo chacoalha, lá dentro.Agora,não tem jeito.Ele toma o pacote nos braços, olha em volta,menos um ladrão de ocasião do que procurando o dono,rá!...de quem é essa criança perdida?

:é sua agora. Fazer o quê. A quanto tempo não dava um presente de verdade à esposa, afinal de contas. sacode levemente o embrulho rente a orelha - o mesmo chocalhar leve. olha em torno, inutilmente...alguém me segure!não?então:

Senta-se no branco, põe o embrulho no colo, abre com cuidado: puxa o laço, afasta o papel brilhoso - levanta a tampa de papelão.

Não consegue acreditar no que vê lá dentro não consegue entender.

Olha em volta, alguém me explique isso, pelo amor de deus.

Olha de novo - como poderia evitá-lo?hein?como poderia enviar de enfiar a mão lá dentro , devagarinho...
Bertão é puxado de uma vez só, sem tempo para um grito sequer:braço e cabeça e troco e pernas puxadas de sob a caixa e pra dentro da caixa como elástico, e pronto. o pacote singelo - de que cor?de que cor? não há testemunha presente para dizê-lo - queda sob o banco, treme ligeiro, então revira-se sob a tampa posta de lado, revira de volta, fechado, rola quadrangular sobre o papel, estirado, vira e volta, embrulha-se, como se pegajoso, reata-se - queda de vez, no silêncio, já no outro extremo do banco.

E lá fica. Á espera do próximo na fila.

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