AMANHECER
Bárbara volta para casa logo antes do raiar do sol, toda noite - seu dia acaba quando a cidade desperta , mal-humorada.
Não que a cidade "durma" , realmente, com sua vida noturna agitada; Bárbara chega da rua com sua maquiagem pesada, as roupas de festa, um tanto vulgares - o cheiro forte: perfume caro, álcool, cigarro, suor.O taxista , com aquele olhar maldoso no espelho retrovisor,que Bárbara aprendeu a ignorar; como a expressão reprovadora de algum vizinho madrugador com que cruze - sem cumprimentar - ao descer do carro em frente à mansão:a expressão vazia, as sandálias de salto alto nas mãos.
Não que se preocupe em não fazer barulho ao entrar em casa: os pais estão sempre em pé, mesmo que não propriamente acordados.
"Oi, pai. Oi,mãe."
, andando pelos cômodos no escuro,como sonâmbulos . Respondem à filha com o mesmo sorriso fixo,morto, os olhos brilhantes, em que Bárbara pinga gotas de colírio vez ou outra: os pais nem sempre se lembram de piscar.
Deixa-os no escuro, que a luz faz mal a sua pele nada saudável (aos olhos mortos), deixa de lhes dar o costumeiro beijo nas faces, já há tempos: ainda assim, seguem com o sorriso e o olhar baço a filha, a mestra, enquanto ela abre os vários cadeados que lacram a porta do porão, na cozinha, e desce - os dois ficam:guardiões do repouso diurno da menina.
Dela, e de seu mestre: em meio ao pó, em meio às teias de aranha (em meio à escuridão que é como a luz do dia para Bárbara, agora), o porão ressoa com o sono pesado ,atulhado, das outras noivas d'Ele.
Seu Príncipe,seu Senhor:no meio do ninho, a cama formada por suas esposas,em estágios variados de conservação e putefração,embrulhado em sua capa cruzada de veias, suas asas negras de couro. Bárbara se aproxima lenta,respeitosamente,pé ante pé,cuidado aonde pisa, em que pisa - cautelosa, gozando aqueles momentos preciosos antes do inevitável despertar para a refeição matinal.
Gozando a ilusão, a lembrança da ilusão,breve: quando ela o conheceu; quando ele se apresentou garboso,forte, charmoso, passional, jovem, reluzindo à luz artificial das noites, dos dias passados: sua roupa de festa, sua cara de festa...
Agora: tremendo levemente, gemendo, acordado. Resmunga mal-humorada, abre os olhos frios mortiços, notando a chegada da serva: abre os braços , as asas, para receber seu donativo. E Bárbara luta e consegue - breve- ignorar o que vê, sempre, e lembrar-se ao invés do príncipe de uma terra distante, que a conquistou: não o monte de ossos com sua pele acizentada e frouxa, encarquilhada, as orelhas enormes e pontudas,o nariz triangular, os dentes irregulares pontudos, a carranca fixa do olhar.
Ela se aproxima sorrindo, tímida, entra no aconchego frio daqueles braços secos cola sua boca na do Mestre - devagar,devagar,imaginando , tentando imaginar o prazer de um beijo- regurjita naquela boca monstruosa os litros de sangue escuro e ainda quente e fluido que traz em seu estômago e que o Mestre sorve com gosto, único momento em que ele parece um ser vivo.
Depois de satisfeito, ele a afasta com brusquidão, fecha-se novamente em sua capa,retorna imediatamente a seu ressonar assobiado, senil. Bárbara procura algum canto livre no porão,acomoda-se em meio a sujeira, abraça-se a uma de suas irmãs meio-mortas,meio-vivas, tenta conciliar o sono até a tardinha.
Às vezes, isso é difícil. Bárbara lembra-se do que teve que abrir mão abraçar essa nova vida, lembra-se do preço. Da mudança: sabe que nunca mais conseguiria encarar o mundo de frente, à luz do dia. Sabe que não há mais espaço para fantasiais reluzentes.
Bem. Ao menos, ele a ama.
Dela, e de seu mestre: em meio ao pó, em meio às teias de aranha (em meio à escuridão que é como a luz do dia para Bárbara, agora), o porão ressoa com o sono pesado ,atulhado, das outras noivas d'Ele.
Seu Príncipe,seu Senhor:no meio do ninho, a cama formada por suas esposas,em estágios variados de conservação e putefração,embrulhado em sua capa cruzada de veias, suas asas negras de couro. Bárbara se aproxima lenta,respeitosamente,pé ante pé,cuidado aonde pisa, em que pisa - cautelosa, gozando aqueles momentos preciosos antes do inevitável despertar para a refeição matinal.
Gozando a ilusão, a lembrança da ilusão,breve: quando ela o conheceu; quando ele se apresentou garboso,forte, charmoso, passional, jovem, reluzindo à luz artificial das noites, dos dias passados: sua roupa de festa, sua cara de festa...
Agora: tremendo levemente, gemendo, acordado. Resmunga mal-humorada, abre os olhos frios mortiços, notando a chegada da serva: abre os braços , as asas, para receber seu donativo. E Bárbara luta e consegue - breve- ignorar o que vê, sempre, e lembrar-se ao invés do príncipe de uma terra distante, que a conquistou: não o monte de ossos com sua pele acizentada e frouxa, encarquilhada, as orelhas enormes e pontudas,o nariz triangular, os dentes irregulares pontudos, a carranca fixa do olhar.
Ela se aproxima sorrindo, tímida, entra no aconchego frio daqueles braços secos cola sua boca na do Mestre - devagar,devagar,imaginando , tentando imaginar o prazer de um beijo- regurjita naquela boca monstruosa os litros de sangue escuro e ainda quente e fluido que traz em seu estômago e que o Mestre sorve com gosto, único momento em que ele parece um ser vivo.
Depois de satisfeito, ele a afasta com brusquidão, fecha-se novamente em sua capa,retorna imediatamente a seu ressonar assobiado, senil. Bárbara procura algum canto livre no porão,acomoda-se em meio a sujeira, abraça-se a uma de suas irmãs meio-mortas,meio-vivas, tenta conciliar o sono até a tardinha.
Às vezes, isso é difícil. Bárbara lembra-se do que teve que abrir mão abraçar essa nova vida, lembra-se do preço. Da mudança: sabe que nunca mais conseguiria encarar o mundo de frente, à luz do dia. Sabe que não há mais espaço para fantasiais reluzentes.
Bem. Ao menos, ele a ama.
[irmã gaiden de MAIS UM AMANHECER]
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