sábado, 25 de junho de 2011

[mini-conto] animais na pista


ANIMAIS NA PISTA

Na margem da estrada, à beira do asfalto,o tatu pára: agita o focinho cônico, cheira o ar noturno,denso de umidade - agita as pequenas orelhas triangulares, tenta distinguir no coro incessante da mata que o rodeia qualquer som suspeito. Desiste, continua, o pequeno corpo encarapaçado gingando no esforço de atravessar rápido a quatro faixais da autovia.


--para exatamente no meio:

Logo além da curva da estrada, um par de faróis intensos acende-se, congelando de susto o pobre animal . Um motor acorda numa tossida malévola e então se agiganta, ensurdecedor, uivante, monstruoso.

O tatu apavorada não consegue nem ir, nem voltar: gira quase sem controle sobre si mesmo procurando aonde se enfiar, por onde escapulir naquela pista imensa e nua - quando o som crescente do motor é engolido pelo rugir voraz dos pneus cantando no cascalho de beira de estrada e logo chiando e zunindo sobre o asfalto

:o caçador dispara na noite,a imensa e antiquada grade brilhando em sua dianteira como presas arreganhadas - as manchas felinas na camuflagem de seu chassi suspensas no ar -

: os dois minúsculos negros olhos na cabeça de tatu tornam-se vermelho-brasa; a longa cauda do pequeno bicho retrai-se inteira como a mola de um relógio ; como o focinho:pra dentro da cabeça, a cabeça e as curtas patas para debaixo da carapaça - a caparaça curva-se sobre si mesma , fecha-se como uma ostra e se lacra- e então se expande como dente-de-leão:

O veículo uiva de ódio, já sobre sua vítima, percebendo tarde demais seu erro;

a bola que antes fora um indefeso tatu transforma-se num ouriço do mar metálico, expandida no dobro de seu tamanho inicial numa massa de espinhos que brilham como que untados de veneno -

O predador tenta se desviar, os pneus erram a bola espinhuda, mas esta o rasga e eviscera na passagem,sob a carroceria-

, buzina em agonia, prossegue em zigue-zague, mal freando - perde de vez o controle, capota, capota, capota , capota - pára e explode,finalmente silenciado.

Sob a chuva de destroços escuros e fumegantes, o tatu chega bamboleante e tranquilo à outra margem da estrada.


 LIMITES DA RESERVA NATURAL PÓS-SINGULARÍSTICA
PISE FUNDO


[narrativa prima de "SELVA URBANA"]

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