domingo, 7 de agosto de 2011

[conto-curto] o monstro da semana : Basilisco


Sim,sim, aproxime-se caro senhor, não se acanhe, rá, rá. Fique à vontade para examinar minhas peças - ora, pode tocá-las, aliás, insisto para o que faça. Minhas esculturas são tão sólidas quanto belas.

Oh, digo "minhas" mas sou apenas um humilde mercador...Quando os deuses tomaram meus olhos, eles também me presentearam com um dom para os negócios, rá,rá,sim, sim. Um "ouvido" para os bons fregueses, pode-se dizer...Aliás, não reconheço sua voz nem seu sotaque, o senhor vem de muito longe? Ah,compreendo,compreendo.

Sim, sim, pode tocá-las, é claro - ora, que tipo de mercador eu seria se não confiasse em meus fregueses?Sim, é verdade, sendo cego, ainda por cima (não que eu possa reclamar, veja bem). ...mas noto por sua voz que o senhor é uma pessoa educada, de gosto refinado, sabe apreciar o que é belo!... Ouso afirmar que é um patrono das belas artes, não é verdade? Rá,rá, não se acanhe, bom senhor.
Oh, o autor dessas belas esculturas? Ninguém sabe quem é, meu senhor - rá,rá, não minto, nem pretendo enganá-lo,nobre cidadão. Essas peças, eu as colho em um jardim que existe no topo daquela colina a oeste...pode vê-la?Rá,rá, eu mesmo não posso apontá-la, mas sei bem como chegar até lá,conheço essas terras tão bem quanto minha face.

...não,não, meu senhor, não se zangue, não estou a lhe pregar uma peça, já lhe disse, a confiança é a verdadeira moeda de qualquer bom mercador (especialmente, se o mercador é um velho cego como essa pobre criatura que lhe fala). Sequer estou louco, acredite - pergunte a qualquer um nas redondezas, de fato. Essas ruínas são encantadas; já se encontram abandonadas desde antes da fundação desta vila - e desde minha infância ouço falar destas belas estátuas em tamanho de gente, que ali surgem como se brotassem do próprio chão!
Oh, não há nada ali além das estátuas e dos ninhos de alguma espécie de galinha selvagem, bicho inofensivo,inofensivo...Dizem que sua carne é deliciosa,  mas são difíceis de pegar, essas criaturas - o senhor, aliás, fala como um apreciador da boa caça, estou certo? Sim,sim...

Bem, eu sou o único a negociar essas peças formidáveis pois a nossa é uma aldeia de gente simples, trabalhadora, de pescadores e pastores que não podem abandonar sua labuta diária para explorar as velhas ruínas, percebe... Essa é no entanto uma tarefa que um velho cego como eu pode desempenhar, sou forte, veja aqui o senhor!eu mesmo arrasto uma esteira até lá em cima, escolho e trago as novas flores do jardim de pedra,ré,ré.

...noto pelo tom de sua voz que o senhor ainda não está convencido da verdade em minhas histórias. Muito bem, muito bem... O senhor já tocou minhas peças? Isso, não se acanhe...nota como elas são quentes ao toque, mesmo guardadas à sombra desta tenda? Não acha isso extraordinário?

Não? Pois bem,então: encoste seu ouvido no peito de uma estátua, qualquer uma, rá,rá, não se acanhe,não se acanhe...Isso.

Está ouvindo,não está?
Rá,rá,rá,eu sei, eu sei, é espantoso...Não,não, o preço é o combinado, o mesmo de antes, eu é que lhe agradeço, bom senhor...Sim,se quiser, pode enviar um escravo para levar a estátua mais tarde...

Oh? Rá,rá, as ruínas estão bem no topo da colina, bom senhor, pretende mesmo visitá-las? Rá,rá,muito bem, muito bem... Antes de partir no entanto, permita-me...?

Não se acanhe, não se acanhe. Essa é apenas uma mania de um velho cego,rá,rá. Gosto sempre de tocar os rostos de meus fregueses satisfeitos. O senhor sabe: para que eu possa reconhecê-lo caso nos encontremos novamente.

Um comentário:

Eduardo disse...

Senhor,
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Se me permite a ousadia, de todos os seus belos, insólitos e surreais contos, os que li, veja bem, pois que ainda não tive oportunidade de ler toda sua obra, rá, rá, mas sim, claro, este é sem dúvida, de longe, o mais interessante, rá, rá...
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;)
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Abração guri!