quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

[mini-conto]monstro da semana: um palhaço

MONSTRO DA SEMANA:
UM PALHAÇO

O maior golpe que o palhaço deu foi ter se matado.

O suicídio foi limpo e sem fanfarras, o que parecia um fim anticlimático para uma longa e sangrenta carreira criminosa que contribui tanto quanto Charles Manson e Hannibal Lecter para garantir uma posição de honra à figura do “assassino de massa” no imaginário popular.
O palhaço estaria condenado ao esquecimento depois deste último fracasso. Mas sua saída de cena deixou um vazio de poder, um vácuo simbólico. E o palhaço tinha uma herança bem concreta a oferecer ao mundo.
Seu corpo foi legado à ciência e sujeito aos mais rigoros estudos. Os doutos guardiões de seus restos mortais buscaram no âmago de suas células os segredos psicológicos e químicos de sua loucura e genialidade inextrincáveis. E encontraram tais tesouros.
E aprenderam a sintetizá-los e a reproduzí-los em massa e a distribuí-los nas ruas. Logo, qualquer cidadão comum podia indulgir em suas fantasias secretas de ser exatamente como o palhaço fora; logo, metade da cidade estava com essa gana louca de por fogo no mundo e provar guizado de morcego com acompanhamento de sopa de passarinho. E muitos tiveram essas oportunidades e as gozaram.
Terminada a festa, porém, sempre resta o amanhã e a ressaca que promete. O mundo parecia pequeno demais para uma horda de centenas de milhares de super-criminosos insanos e brilhantes. A primeira , lógica solução para o impasse era um briga de foices no escuro em escala monumental.
A segunda, que foi adotada, era tornar o mundo inteiro um clube de comediantes stand-up que se revezariam no palco, sob holofotes, deleitando seus pares com atrocidades cada vez mais mirabolantes. Mas essa é outra história, ainda que provavelmente não sobre ninguém mais para contá-la.

Nenhum comentário: