domingo, 10 de outubro de 2010

[conto] remetente desconhecido

REMETENTE DESCONHECIDO

Caros amigos,
 
Peço que desculpem o envio não autorizado deste email em massa...que naturalmente espero tenha alcançado cada um de seus destinatários... mas lá se vão, o quê, vinte anos!desde a última vez em que todos nós nos encontramos pela última vez... Vocês hão de convir que temos muitas histórias a por em dia.

Eu , ao menos , tenho.
 
Peço , pois, que induljam por alguns instantes que sejam no sentimentalismo deste seu velho irmão de armas. Em nome dos velhos tempos.

Lembram-se deles, dos bons, velhos tempos? Lembram-se de nossos intermináveis jogos de pôquer nos finais de semana? Os charutos cubanos, o uísque fenomenal... As piadas, a euforia. Os planos que fazíamos. As apostas.

Bons tempos, não? Pena que terminaram de forma tão brusca.
 
A euforia sempre anda de mãos dadas com algum nervosismo, afinal. Ela própria se sabota,não? Certamente,
o fato de alguns de nós entreterem aqueles hábitos duvidosos envolvendo espelhinhos, notas de cem dólares enroladas em canudos, um certo pó branco... Mas, ora, sem recriminações, somos todos homens do mundo, afinal. Admitam, porém: paranóia não faz bem para os negócios.

Especialmente quando os negócios estão misturados à política e à guerra. A propósito, sempre fui um mau jogador de pôquer,não é mesmo? Nunca me arriscava,alguns de vocês não cansavam de me dizer. Apostava pouco. 
 
Não sabia ler o blefe na cara dos outros jogadores. Confiava demais em meus parceiros de negócios. Apostaria minha vida na lealdade de meus irmãos de armas.

Como de fato apostei,mesmo sem ser avisado. Quando a situação política interna e externa estava se deteriorando, como em ciclos, como sempre acontece, decidimos de comum acordo - ou assim o supus - mudar o foco de nossos empreendimentos estrangeiros. Um de nós,porém,teria que levar a má notícia a nossos parceiros internacionais. 
 
Ninguém estava particularmente ansioso em assumir essa tarefa. O emissário seria escolhido pela sorte, o que tirasse a carta de valor mais baixo no baralho.

Aquele foi um belo truque de cartas, seus filhos da puta.

Ora,vamos. Minha sorte não foi decidida pelo acaso, foi determinada por comitê, não é mesmo? Vocês decidiram que não queriam mudar de negócio, no fim das contas. Mas teriam que mudar de fachada; teriam que fechar a velha "loja", reabrí-la sob novo nome.teriam Que fechar o capítulo anterior de vez, cortar os vínculos com o passado. E precisavam de um bode expiatório que assumisse a culpa por seus velhos crimes;  não podiam correr o risco de que tudo viesse a tona em alguma investigação inoportuna. 
 
Sabiam exatamente o que nossos parceiros internacionais fariam com o portador das más notícias. Oh, e eles fizeram, os filhos da puta ádicos, ah como fizeram.

Mas,surpresa:decidiram me manter vivo,em segredo, como um trunfo futuro contra alguma traição possível de seus velhos compadres ocidentais. A vida tem dessas reviravoltas estranhas... a gente só tem a aprender com tudo isso,se sobreviver, é claro. Eu, por exemplo: aprendi a blefar, a mentir , a fingir, vejam só vocês! Aprendi a trair e a matar, também; aprendi que faria tudo o que fosse necessário para fugir do cárcere, e fiz.

Quanto a nossos dois velhos amigos, o "Senhor do Ópio" e o "Senhor da Guerra"? Duvido que tenham tido notícias de ambos nas últimas duas décadas, não é mesmo? Devo dizer que os dois sobreviveram esplendidamente às tribulações políticas de seus respectivos países... como vocês mesmos, não? Lamento dizer, porém, que suas faustuosas e merecidas aposentadorias foram interrompidas de forma permanente, nas últimas semanas. Sei que essa notícia os entristecerá bastante, meus velhos amigos.

E suponho que vocês tenham ouvido falar  do fim prematuro de nosso outro velho amigo, o "Senhor Banqueiro". Antes de encontrar seu destino trágico, aquele correto senhor cometeu uma indiscrição derradeira e me forneceu todas as informações bancárias da velha turma. Logo, posso localizá-los em qualquer lugar do mundo, em qualquer momento. Sempre.

Imagino que se tivessem a oportunidade, vocês me diriam que o que aconteceu há vinte anos atrás não foi nada pessoal. Ora, provavelmente até me diriam que eu sabia dos riscos, sabia no que estava me metendo - que a culpa, no fundo, é toda minha! Afinal,tudo pode acontecer nesse mundo bizarro e dourado, triangular, regido por armas, drogas e dinheiro, certo? Certo.
 
Muito bem. Não sou inteiramente insensível,logo, lhes darei uma chance de redenção.

Como bom esportista, darei a todos uma vantagem na largada, só os procurarei pessoalmente daqui a uma semana. Têm minha palavra de honra. Dou-lhes outra chance, aliás. Pouparei a vida de um de vocês, e será um só. Sem favoritismo de qualquer sorte! Pouparei a vida daquele único de pé daqui a uma semana, quem quer que seja. 

Aquele que for premiado pela "sorte",não é isso? Aquele que não tiver perecido nesse meio tempo em qualquer trágico acidente ou traiçoeiro atentado à vida.

Imagino que estejam agora mesmo planejando uma reunião ... comos nos velhos tempos, não? para discutirem uma "estratégia de sobrevivência" comum. Boa sorte.

Garanto que nenhum de vocês me veria chegando. Quando o golpe fatal vier, ele será na surdina, pelas costas, provavelmente. Mas, para a maioria de vocês, esse golpe final não será dado por mim, nao é mesmo?
 
Acho que apartir de agora vocês deveriam se preocupar não com as sombras e com quem os espreita na calada da noite. Deveriam temer um ao outro, isso sim; deveriam temer o velho amigo de décadas que bate a sua porta depois de anos com um sorriso fixo na cara, uma mão extendida, a outra escondida nas costas.
 
Cordialmente,...

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